Era Adão Braz Tavares o nome dele. Não tinha sua assinatura impressa nas calçadas de Hollywood e nem fazia parte do seleto grupo de craques do futebol mundial. Mas tinha algo que o credenciava a receber honrarias: era um torcedor fanático. Herdou de seu genitor José Tavares, um industriário de poucas palavras, pai de 11 filhos (quase montou um time ele mesmo) a sua paixão pelo Atlético Mineiro.
Dos 11 filhos, entre eles duas mulheres, Eva e Maria, era o único que conhecia a história do time desde a sua concepção. Descrevia com detalhes os campeonatos vencidos e relatava com enorme sofrimento as perdas de títulos, para as quais, tinha sempre um comentário assertivo sobre os motivos das derrotas, e era bastante sábio quando o assunto era perder. Para ele, um dos mais novos dos irmãos, um título perdido era uma oportunidade única: de os jogadores entenderem o quão o amor ao time é mais válido que o preço do passe. Não tinha compromisso com erro, era preciso voltar...
Viu seu time cair para a segunda divisão do mineiro como se isso lhe trouxesse um ar de dignidade afinado: "Se não há humildade, o tapete chega." "O tapete chega" era uma forma lúdica de dizer que, se insistimos em esconder nossas limitações debaixo do tapete, numa dessas, o próprio tapete se revolta e se movimenta. Era uma filosofia de bar da esquina mesmo que o boteco não fosse seu forte...
Com ele aprendi que a torcida do Galo não era um "lugar comum". Era uma paixão tão avassaladora que o tornaria conhecido como o Adão do radinho. Sim, fazia chuva ou sol, lá estava ele com o rádio de pilhas no ouvido, seja no caminho da empresa ou nas esquinas da vida.
Sua paixão era tanta e pouco seletiva que os filhos foram recebendo nomes de jogadores Éder, Reinaldo...
Lembro-me de vê-lo contando eufórico que os anos 80 foram os melhores do Atlético.
- Aquele era um timaço. Não havia sequer um único jogador que fosse mais ou menos, do meia até o goleiro, era um show o que se via no campo.
Não atenta às datas sempre na ponta da língua dele, vagamente me vem à memória uma citação dele do ano de 1983 (aos amantes de futebol e com dados históricos verídicos, peço clemência se houver alguma data não condizente com a realidade, são apenas lembranças de suas falas que transcrevo) de nomes como João Leite, Cerezzo e Eder: para ele um jogador do galo deixava de ser jogador do mundo e jamais era o mesmo. O selo era inevitável, o jogador era filho adotivo da torcida, o amor nascia no coração.
A torcida promovia (e promove) um espetáculo à parte! Quem gritaria eu acredito, numa desesperadora atitude de súplica para que o time não perdesse, buscando um só Deus? Só os poucos, só os loucos, só os atleticanos. "Ingênuos são aqueles que creem que os torcedores do galo são apenas um grupo que torce para um time de futebol, nós somos atleticanos" bem disse o Chico Pinheiro!
E, pouco antes do fim, quando seus "stents" resolveram sucatear o seu coração acelerado, quando enfim o vi pela última vez antes da 6ª cirurgia de correção, ele disse:
- O galo joga amanhã e no CTI não posso usar o rádio, grava o jogo pra mim?
Eu gravei, mas a ânsia daquele apaixonado era tão grande que preferiu buscar notícias no céu e de lá nesses últimos dias, deve manter suas risadas enquanto grita: Vai, Hulk!
É tio, esse título é seu: meu super-herói!
- E o galo?
- O galo "ganhô"!