DEIXE-ME SER

DEIXE-ME SER

“Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então”. Clarice Lispector

“Crescer é entender a limitação que atinge a todos, é saber que a condição humana é falha, que um dia nós é que tropeçaremos.” Mário Corso, psicanalista gaúcho, nos aponta para a necessidade de ruptura com a soberba como caminho para a maturidade emocional. Penso eu que essa constante sensação de infalibilidade é realmente um traço juvenil, pois amadurecer consiste em retirar as armaduras, permitir-se deixar o peito aberto para as aventuras e desventuras. Assim, será possível encontrar, ao menos em parte, uma autenticidade para chamar de sua.

Não é fácil esse desnudamento. Mostrar-se frágil é reconhecer-se incompleto, dependente, é sair do ilhamento de si para poder se enxergar e perceber o mundo a sua volta. Desse modo, quem sabe, haverá uma desalienação, porque nesse processo o ser humano passará a ser menos estrangeiro de si. Sócrates já dizia há séculos que um dos grandes pré-requisitos para alcançar a sabedoria é conhecer-se. Daniel Goleman, na década de 90, desenvolveu sua teoria acerca da inteligência emocional e, mais recentemente, sobre a inteligência social. Não basta, pois, saber de si sem considerar o outro. Afinal, não há descentramento sem a vida em sociedade. Todavia, noto que essa dissociação está cada vez mais difícil de ser alcançada, visto que o individualismo é pauta constante na contemporaneidade.

Manter a esperança nunca foi um exercício tão difícil, de modo que esta tem morrido em tantas pessoas antes mesmo de ela nascer. Sucede, então, o adoecimento – a depressão, resultado de tantas angústias. O mundo em um compasso maior que nossa alma. O corpo vai, a mente fica, divaga, devagar vai e rapidamente se perde. E vamos nos medicando quando, na verdade, precisamos romper os silêncios. Pausar. Respirar. Sentir-se. Perceber-se. E até lembrarmos que vamos morrer para assim nos atentarmos sobre a urgência de viver, pararmos de perder tempo demais com aquilo que é de menos.

É que a noção da efemeridade nos traz para o presente. Como disse o escritor Raduan Nassar: “O tempo é o maior tesouro de que o homem pode dispor. Embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento. Sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza, não tem começo, não tem fim”.

Eis o nosso grande desafio cotidiano: ser. Ser jovem é mais que estar jovem. Ser velho e não estar velho. A gente precisa se reinventar todo dia. Essa dinâmica da vida exige que tenhamos um desprendimento muito grande da pessoa que queremos ser, mas que ainda não temos os instrumentais para, de fato, nos guiar. A linguagem é essa bússola para não nos perdermos neste mundo de possibilidades. Em contrapartida, há momentos em que nos deparamos com pessoas que não nos deixam ser. A isso se dá o nome de sequestro da subjetividade. Estejamos atentos e não nos deixemos ser orquestrados por um maestro que nunca compreendeu sua própria partitura.

Tenho refletido sobre o quanto há pessoas que não nos deixam ser porque, talvez, nem elas mesmas saibam viver suas vidas. Se um dia tiveram sonhos, perderam. Acho que somente isso pode explicar o porquê de se incomodarem tanto com a vida alheia e por isso se sentem tão necessitadas de atravancar a vida de quem está repleto de propósitos. Triste de quem sonha e apenas se mantém no mundo das ideias, experienciando um amor platônico consigo mesmo.

O escritor Oscar Wilde foi certeiro ao dizer que “viver é algo muito difícil. A maioria das pessoas apenas existem”. Permitamos nos autenticar, (re)conhecermos para que nossa vida não seja exercida por uma personagem cujo papel não é o que de fato quer apropriar. Mudemos os cenários, as personagens e, por conseguinte, a plateia. Alguém disse que, quando queremos ser maestros é necessário dar as costas para os expectadores. Em nosso regimento interno, deve haver cláusulas claras sobre nossos anseios.

A liberdade consiste nisto: ser verdadeiro consigo, apesar de, apesar de e mesmo assim. Talvez nos sintamos sós, mas esses momentos serão os mais preciosos. É preciso coragem. Num mundo de fragilidades é fácil demais idealizar e é bastante difícil demolir os desejos. Há em rupturas um certo refazer-se que precisamos (des)cobrir. Nessa ambivalência, revela-se que, quando a gente assume que perdeu, então passamos a ganhar.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 03/12/2021
Código do texto: T7398943
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