DEIXANDO O CIGARRO...
DEIXANDO O CIGARRO...
Lourival,fumante inveterado, depois de 40 anos fumando, resolveu parar de fumar. Resolveu não, o seu médico o obrigou a parar. Foi taxativo:- Ou para, ou morre!
Lourival voltou para casa pensando como obedeceria ao médico. Já tentara parar por várias vezes: chás, rezas, medicamentos, benzeções. Nada deu certo. De fato, não era fácil.
Tudo começou quando ele era ainda criança, pitando um cigarro de cabelo de milho. Na adolescência, quando ia à cidade, procurava a venda do Sô Idú que vendia os melhores fumos de rolo vindos dos municípios de Tocantins e de Arapiraca (AL).Para comprar, sendo de menor, Lourival dizia que era encomenda de seu pai.E assim continuou até atingir a fase adulta.
Certo domingo, visitando seu compadre Ageu, Lourival contou-lhe o seu drama.O compadre, então, lhe disse: - Olha, eu passei por essa situação e acabei dominando o vício. Foi assim: -No dia em que o seu Argemiro morreu, durante o velório, eu coloquei dentro do seu caixão o meu isqueiro Vospic 2, o pedaço de fumo, o canivete e até umas palhas já aparadas.Tudo isso em um canto do caixão sem que ninguém visse. E o Seu Argemiro levou, para sempre, o meu vício!
Então, Lourival disse para o Ageu:- Você ficou sabendo que o Donizete morreu esta manhã?
Temos que ir ao seu velório, respondeu o Ageu. Será uma boa oportunidade para você fazer o que eu fiz.
Ficou combinado que iriam ao velório do Donizete, às oito horas da noite. Lourival chegou em casa, arranjou uma sacolinha e, dentro dela, colocou todo o apetrecho “fumante”. Isso, depois de fazer um grande cigarro de palha e fumá-lo até o fim. Seria a despedida do cigarro...
Foram para o velório e lá ficaram aguardando a hora certa de colocar o material no caixão. Era um tal de entrar e sair gente que não acabava mais. Só ali pela meia-noite é que o movimento parou. Logo depois,a um sinal do compadre Ageu , Lourival, rapidamente, acomodou a sacolinha em um canto do caixão. Respirando aliviados, os dois se despediram dos presentes, foram para o terreiro e montaram em suas éguas, que lá estavam amarradas, e voltaram para casa.
A égua já no pasto e o Lourival, depois de tomar um bom café com broa, foi para a cama.
Foi só deitar e veio a vontade de fumar. A princípio, uma vontade pequena e, depois de certo tempo, uma grande vontade. Passaram-se cerca de duas horas e ele não conseguia dormir. O recurso foi levantar-se e procurar, em todo canto da casa, um pedacinho de fumo. Nada!
Acordou a sua esposa Maria, querendo saber se, por acaso, ela tinha visto um pedaço de fumo em algum canto da casa. Maria, revoltada,disse-lhe:-Eu quero lá saber de fumo a essa hora? Vá dormir, homem!
A vontade de fumar aumentando e o desespero também. Já não aguentando mais, Lourival foi até o pasto, pegou, novamente, a égua para voltar ao velório e tentar conseguir de volta a sacola com o fumo.
Voltou ao velório e qual não foi a sua surpresa ao verificar que o seu compadre havia, também, voltado. Lourival explicou-lhe o que havia acontecido. O compadre disse-lhe que, devido a sua grande amizade com o falecido, resolveu prestar-lhe mais uma homenagem.
A tentativa da “operação resgate da sacolinha” iria transcorrer normalmente: um vigiando e o outro executando...
Houve, porém, um grande problema: “A sacolinha não foi encontrada no caixão!”
Por mais que, despistadamente, fosse vasculhada a urna funerária, nada...
Voltaram para casa e Lourival, sem conseguir dormir, curtiu a vontade de fumar até o dia seguinte. Enquanto isso, o seu compadre Ageu dormiu um sono sossegado, com a alegria sádica de quem havia passado alguém para trás...
Passados três anos, quando os dois já haviam parado de fumar, Ageu confessou ao Lourival ter sido ele quem tirou a sacola do caixão, pois havia parado de fumar há pouco tempo e estava louco por um cigarro...
Murilo Vidigal Carneiro
Calambau /março/2017
Obs.: Algumas pessoas aqui de Calambau já tentaram parar de fumar dessa forma. Alguns obtiveram êxito.
Vospic 2 é uma antiga marca de isqueiro muito usada na região. Tinha fuzil, pedra, pavio,e o seu combustível era gasolina ou querosene.
murilo de calambau