NA MÃO UM REVÓLVER

NA MÃO UM REVÓLVER

Avistei a vaga de estacionamento e imediatamente direcionei o carro para o local, temendo não chegar a tempo e arriscar perde-la. Minha pressa era justificada, eu estava no bairro mais luxuoso de Natal, Ponta Negra, numa rua congestionada de restaurantes, bares, sorveteria, entre outros estabelecimentos, todos caríssimos e muito frequentados pela elite natalense. Obviamente não era minha intenção ir para nenhum desses lugares chiques, almejava apenas deixar o carro no local e seguir a pé até o Praia Shopping. Seria minha caminhada domingueira.

Ao me aproximar da sonhada vaga, tendo antes avistado inúmeras pessoas caminhando no calçadão ou tirando fotos da ornamentação natalina juntamente com a família, percebi que um policial havia parado justamente na vaga em que eu estava de olho. Ele olhou para mim, a mão segurando o revólver no coldre destravado, fiz um aceno dizendo no gesto que iria estacionar ali onde ele se encontrava, os olhos dele novamente perpassaram sobre mim com uma indiferença estranha, então, súbito, para meu espanto sua mão direita sacou a arma, foi nesse momento que, atarantado, notei a presença de mais outros policiais, todos já também com a arma em punho, diante do quê, atônito, fiquei absolutamente desprovido de ação, os pensamentos desencontrados, o coração a mil. O que estava acontecendo? O que eu teria aprontado sem me dar conta? Teria sido minha ousadia em apontar para o estacionamento pretendido, que talvez os policiais tinham como seu?

Empunhando as armas em riste os policiais, a um só tempo, quase a correr na mesma direção, firmes e decididos - eu apavorado ante tantos revólveres prontos para serem disparados -, abordaram um carro que acabara de chegar dirigido por um jovem com tatuagens no rosto acompanhado por mais três outros de idades similares. Com a adrenalina nas alturas, contudo agora aliviado por saber que a tropa fardada nem sabia de minha existência, que eu não passava de simples cidadão de bem à procura de vaga para estacionar o carro, portanto nada além de invisível para eles - graças a Deus! - preferi afastar-me da área de conflito e deixar o carro noutro espaço avistado adiante. Quando mais distante de tais acontecimentos melhor, meu coração ainda não normalizara as batidas, a respiração ainda subia-me ofegante, assim como resfolego, malgrado não ser nada comigo. Após finalmente estacionar, saindo do automóvel virei-me por curiosidade e deparei -me com a sempre triste cena de quatro jovens sendo minuciosamente revistados, as mãos atrás da cabeça, as pernas arqueadas, sob a mira de armas de fogo e o povo em derredor assistindo tudo. Não permaneci nas redondezas do malfadado espetáculo, todavia, havia mais o que fazer em meus pensamentos, por isso não sei qual foi o epílogo da querela. Mesmo assim, ainda vi quando um dos policiais da revista colocou o braço entre as pernas do motorista tatuado e, num ato parecido com o gesto de dar banana para alguém, como que apertou-lhe as partes íntimas, o traseiro e o dianteiro ao mesmo tempo. Veio-me um nó esquisito na garganta ao ver aquilo, pareceu-me sentir a sensação de estrangulamento bem ali por baixo. Não sei o que ele procurava nessas regiões protegidas do sol nem o que poderia estar escondido por lá, mas decerto a técnica é usual e corriqueira porque foi feita com toda tranquilidade, sem qualquer embaraço. Bom, ignoro, é algo deveras longínquo de minha área cognitiva. Embora estranho e impactante. Que fosse!

Virei-me e fui cuidar de minha vida, sem no entanto esquecer o aterrorizante momento em que as armas foram sacadas tão próximo de mim, instante em que vi a hora uma bala se perder de repente e depois - Deus me livre! - ser achada em meu corpo. Acho que nunca esquecerei. Que trauma!

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 30/11/2021
Código do texto: T7396849
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