Sem Eira nem beira

Meu bisavô era um homem rico. Nicolau Gustavo Hernandes Fogaça Peixoto Guimarães. O mais rico do povoado. Quando adolescente meu bisavô fora estudar na França. Homem bom, mas havia algo em suas fazendas, que incomodava muita gente, inclusive a outros fazendeiros da região. É que suas fazendas, inclusive a principal, onde morava, todas, possuíam em seus telhados, apenas as tribeiras . Como aquele homem, tão afortunado, podia deixar suas fazendas sem eiras nem beiras? Todos precisavam saber que ali vivia um Grande Homem, dono de uma fortuna invejável! Meu bisa vivia só há algum tempo, era viúvo. Minha bisa e seu filho, meu avô, haviam falecido num acidente com um carro de boi. Minha avó ainda ficou um bom tempo com o pai, q

e o filho, José, meu pai. Certo dia, meu bisavô, Antônio, chamado de Tonho por todos, depois de passar uma tarde a escrever, entregou um envelope a meu pai, ainda menino, orientando-o a guardá-lo bem mas que só deveria abri-lo, no dia em que ele morresse. E deveria também ler o escrito, em voz alta para que todos pudessem ouvi-lo. O comportamento do meu bisavô era comentado por todos. Ricos e pobres se abismavam com seus repentes costumeiros. Vez ou outra, mandava chamar uma família humilde e todos os parentes, para um almoço num dia de domingo. Famílias com 10 ec12 filhos e os mais chegados, adentravam o ambiente e se aboletavam pelos cantos próximos ao fogão de lenha. A grande mesa, já preparada para a refeição pois, desde a véspera já tinha dado ordem para matar um boi e muitos frangos para o banquete. Também pedia para que fossem feitos bolos, pudins, manjares e outros doces caseiros. Que colhessem as melhores frutas e fizessem sucos diversos. Todos deveriam ser servidos com fartura, o quanto bastasse. Meu pai disse que seu avô Tonho se contentava por demais naqueles momentos, vendo a felicidade estampada nos olhos daquela gente. Após as sobremesas, todos saiam com sorrisos de canto a canto, mostrando os dentes, quem os tivesse ou apenas as gengivas carnudas...Todos, com as barriguinhas fartas e muitas boas lembranças na memória, de um domingo inesquecível! Ah, Como eu gostaria de ter conhecido esse meu bisa. Num dia chuvoso de domingo, meu pai foi acordado com os gritos dos empregados. Amanheceu o dia e seu Toinho não tinha acordado. Por mais que lhe sacudissem o corpo, não dava sinais de vida. Foi o domingo mais triste no povoado. No decorrer do dia, cada vez mais gente chegava na fazenda. Eram fazendeiros, comerciantes que fecharam seus comércios e também os mais humildes daquela região e até de outras mais próximas. Naquele tempo, os velórios eram feitos em casa mesmo. Não havia lugares próprios para velórios. Na verdade nem havia Funerárias, apenas comerciantes de caixões. E nos velórios, eram servidos lanches a todos, pois muitos permaneciam no local até o dia seguinte, quando ocorria o sepultamento. Desde o dia em que houve a certeza da passagem do meu bisa, papai foi rápido buscar o envelope que lhe fora confiado. E, pouco antes de fechar o caixão, meu pai pediu silêncio para a prece e disse que leria uma mensagem deixada por seu avô quando chegasse aquele momento. Após a oração, abriu o envelope com o texto e leu: Inicialmente peço aos amigos mais abastados que se aproximem de onde estou. Olhem bem para mim. Quero lhes dizer que estou indo livre e leve para uma outra vida. Vejam, vou tal como aqui cheguei. Sem Eira, Beira e nem mesmo Tribeira. Que esse momento seja guardado para sempre. Que sempre se lembrem que estamos aqui de passagem. Devemos nos colocar no lugar do mais humilde, para que no momento derradeiro, esteja com o espírito Leve que é como estou me sentindo agora, com o dever cumprido. Hoje, meu grande nome, apenas se resume num nome na lápide. Até mais e que a paz esteja em vossos corações.

Jandiel

Jandira Leite Titonel