Uma estátua

                         esquecida

 

 

     1. Fui colega do escritor João Ubaldo Ribeiro no Jornal da Bahia, de saudosa memória, e na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. O JBa. circulou de 1958 a 1994. Nesse ano, faliu; apesar de seus donos serem pessoas de muita grana. Um jornal destemido, acolheu, na sua gloriosa redação, os melhores jornalistas da Boa Terra. Surgiu com uma feição gráfica de fazer inveja. Bom de ser lido. 

     2. João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro, filho do Mestre em Direito Administrativo na Universidade Católica de Salvador, nasceu no dia 23 de janeiro de 1941, na histórica ilha de Itaparica, de navio, a sessenta minutos da capital baiana. Ilha que ele amou até morrer, no dia 18 de julho de 2014. Casou três vezes e deixou quatro filhos: Bento, Manuela, Francisca e Emília.

     3. No Jornal da Bahia, eu redator da página dos Municípios, aproximei-me, como muitos outros, do João, participando da alegre algazarra que ele provocava quando chegava à redação para escrever ou deixar sua belíssima coluna. Alegrava até o Redator Chefe do jornal, o meu saudoso amigo João Carlos Teixeira Gomes, o Joca, um jornalista nato. Lembro, aqui, o Joca, meu colega de turma na Faculdade, com imensa saudade.

     4. "SATYRICON" era o título da coluna do João Ubaldo. Marcou época. Lida na Bahia, no Brasil e no exterior, divertia a todos. Nessa coluna, Ubaldo mexia com Deus e o mundo. Criticava o político mais poderoso e caçoava com o baiano de respeitado sobrenome. Fazia-o com elegância e acentuada mordacidade, se necessário. Mas sempre com o cuidado de não ferir a reputação de qualquer pessoa. 

     5. Na Faculdade de Direito, eu, da turma anterior a do Ubaldo, dividi com ele os melhores momentos de minha vida acadêmica; idos de 1958 a 1961, quando recebi o canudo e o anel.  João, parecendo desligado, revelou-se um estudante brilhante. Despontava como um excelente escritor, sendo, por isso, recebido com palmas pelos que construíam a Bahia culta, seus intelectuais. 

     6. Não podia deixar de registrar. Aproximei-me mais ainda do João quando tornou-se público o seu namoro com uma das alunas mais bonitas da Faculdade, a jovem Maria Beatriz Moreira Caldas, minha colega de turma.  Belô foi sua primeira mulher. Com ele viveu seis anos. Não teve filhos com ela. Aproximou-se da minha turma e a turma o acolheu, com muita satisfação. Não sei se ele soube disso.

     7. João Ubaldo formou-se em dezembro de 1962. Foi seu paraninfo o civilista, mundialmente conhecido, Orlando Gomes. Qualquer turma gostaria de tê-lo como seu padrinho.  Milhares de estudantes de Direito devem ter estudado "Contratos" no seu  livro. Talvez seja este um dos livros de Direito que guardei ao me aposentar da advocacia militante. 

     8. Com belíssimos livros publicados, João Ubaldo chegou à Academia Brasileira de Letras. Ocupou a Cadeira 34, na vaga aberta com a morte de um dos maiores e melhores jornalistas do Brasil, o pequeno-grande Carlos Castelo Branco, o Castelinho; respeitado até pelo golpe militar de 1964.  Ainda continuam como verdadeiros sucessos seus livros "O sorriso do lagarto", "A casa dos budas ditosos", "Sargento Getúlio" e "Viva o povo brasileiro", apontado pela crítica como sua obra-prima.

     9. Claro que pelo que foi como intelectual, e fez pela cutura (a verdadeira) baiana, João Ubaldo mereceu ter uma estátua em uma das praças de Salvador. Como fizeram com Jorge Amado e Zélia Gattai,  no Rio Vermelho, o bairro em que o famoso casal de escritores morou até a morte de ambos. Visitem a estátua de Jorge e Zélia e procurem saber quem foram eles. Está cuidada; brilhando ao sol de Iemanjá. 

     10. Os baianos, em boa hora, ergueram a estátua de Ubaldo na simpática Praça da Luz, no bairro da Pituba, onde eu moro, há mais de quarenta anos.  Parecedíssima com o belo escritor. Passo por ela todos os dias. Está no meu caminho de casa. Mas, amigos, a estátua de João, nos últimos tempos, está quase abandonada. Moradores de rua, nem sempre ligados na boa higiene,  instalaram-se em seu derredor; ou mais precisamente nos seus pés. Lamentável!

     11. Não creio que Ubaldo, "voltando" à Pituba, chutaria seus visitantes. Pela sua natureza, jamais cometeria arbitrariedades, expulsando, na raça, os sem-teto que se acomodam junto à sua estátua, na pracinha Nossa Senhora da Luz. Mas nós, seus amigos, pedimos aos poderes públicos que não deixem a estátua ao abandono. A Prefeitura sabe perfeitamente onde acolher os sem-casa que, praticamente, estão morando aos pés da estátua do imortal escritor baiano. Deixem que ela continue abraçando Salvador, cidade que ele tanto amou... e honrou. 

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 29/11/2021
Reeditado em 30/11/2021
Código do texto: T7396490
Classificação de conteúdo: seguro