Cenas nem tão bucólicas de Natal
Não adianta, deve ser a época, e lá me vêm as coisas sem noção do Natal. Não sei bem por onde começar, mas sempre me torno redundante, repito os fatos, não deixo passar o lances sinistros e engraçados que vivi desde pequena. Natal nunca me agradou muito, acho que perdi um pouco da ilusão quando a minha mãe me mostrou o esconderijo dos presentes, ficava no teto, num alçapão, eu devia ter uns quatro anos e era uma diaba. Me pendurava e nunca caí, eu improvisava uma escada e acessava o sótão do prédio, cuja entrada, pelo teto, ficava no quarto auxiliar do nosso apartamento. Escondida, eu passava as tardes brincando com os presentes, muito antes do Natal. Aos dois ou três anos morávamos numa casa antiga e me escondi na caixa da boneca que estava em cima da cama dos meus pais (esta eu já contei umas oitenta vezes). Minha mãe, irmãos, a vizinhança, todos ao meu encalço e eu bem quieta dentro da caixa, minha mãe nem morreu de susto, apesar dos siricuticos, me acharam entocada dentro da caixa. Como sou a última tive algumas regalias e também a sorte de um amigo da família ser comissário da Varig, sempre vinha presente legal. Meu pai preparava a casa, sempre tinha o cheiro da pintura, era um cheiro de novo, de alguma coisa muito boa. Claro que tudo isto seguido pelas ameaças de que se eu incomodasse, eu ia me ver com o Papai Noel (odeio este tipo de ameaça cretina). Acho que foi aí que comecei a “garrar” nojo do bom velhinho, hoje “garro” nojo do Renato Gaúcho. Minha irmã mais velha me levava ao centro para ver o Papai Noel, eu morria de medo, pois eles usavam grosseiras máscaras de gesso com buracões nos olhos, e a boca não se mexia, era uma mistura de Chucky, mais o cara do Massacre da serra elétrica e mais o ex-presidente “Tremer” na base. Bastava ver o Papai Noel para eu sair em desabalada carreira. Como algumas crianças, até hoje, eu ia arrastada até o Papai Noel. Naquela época os bons velhinhos carregavam uma vara de marmelo (Piaget ia vibrar com isto) e ameaçavam as crianças que não se comportassem, isto é vida? Era o Inferno de Dante, mundo bem cão... Acho que desde pequena tenho alguma mediunidade, pois bastava ouvir as palavras Papai Noel, me arrepiava e tinha náuseas. Lembrei do Papai Noel da turma dos meus cunhados, ele tomava todas em cada casa que visitava e, nas últimas casas da rua, já ia adernando e se batendo nos muros. Este, o eleito a Papai Noel da turma, usava a infeliz da máscara com olhões furados, coisa grotesca, numa destas ele passou mal e vomitou, segundo fontes muito seguras, saía macarrão pelos olhos (adoro esta estória), põe mico nisso. Teve um outro, também da turma que passou a véspera de Natal comendo como um doido e fazendo grau que tinha comido carne assada, frutas secas, vinho, da roda gigante, lá dos píncaros, ele vomitou e, segundo as mesmas fontes seguras, só saía feijão com arroz. Imaginem o triste vomitando numa roda gigante em véspera de Natal...esta estória me comove ao extremo, pois os guris da turma do futebol dos meus cunhados vinham de famílias bem humildes, depois foram estudando e se fazendo na vida, só não sei se o Papai Noel continuou vomitando nos outros. Acho interessante que ele se preocupou em fantasiar um cardápio de Natal até com frutas secas, vinhos, carne assada e tudo. Gosto também do Chip dog do meu sobrinho que comeu uma bandeja inteira de rabanadas que a minha cunhada passou o dia todo fritando, o Chip dog deve ter lavado a alma. Sou maluca por rabanadas de Natal, o meu pai, carioquíssimo da gema, deixou no Sul este legado, meu cunhado Juney era bom de rabanada e meu chefe as faz com maestria. Gosto demais destas lembranças do Natal, mas não como antes, quando meus pais e muitos outros ainda estavam por aqui, tenho saudade. Gosto também dos fatos que ocorriam na casa da minha amiga Maria, ela e os irmão detestavam o Papai Noel, ele era um alemão malvado, um Mengele versão “tchê”, mal humorado, uma praga nazista. Pois Maria e os irmãos se davam ao trabalho de cavar buracos pelo quintal, enchiam com cocô de galinha só para o alemão se atolar. Esta eu adoro!
No geral essas coisas de Natal me deixam tensa, odeio entrar num shopping, nesta época, sempre me vem a imagem das crianças bombardeadas por propagandas e que não vão ter comida, nem brinquedos. A vida é muito cruel mesmo. Penso nas políticas públicas, tão falhas, penso na educação, no controle de natalidade que nunca vem. Acho que na atual conjuntura o Papai Noel vai se abafar num canto, há o problema da idade, não sabemos se ele já tomou a terceira dose, é bom que se recolha lá pela Lapônia, mesmo, e que gele a bunda... Que o Natal seja muito simples para todos nós, mais reflexivo, mais íntimo, sem grandes festejos. Desejo então a paz, a harmonia, a saúde e a simplicidade franciscana.