Melhor lembrar do que esquecer
Esquecer onde está a chave do carro é melhor, mesmo quando estou atrasado, do que esquecer uma palavra... De modo geral, ando me agarrando a lembranças de alguns termos, como que lutasse para não esquecê-los. E também refletidamente pensado sobre isso, quando me advirto que, hoje, o mundo da pressa é, ao mesmo tempo, o da desvalorização do passado, que avança numa velocidade galopante. E assim, de forma leviana, não percebemos que sucede uma grande perda dos antigos e consistentes valores. Perda também dos costumes e dos padrões culturais, que materializam a ética, o que alicerça a boa conduta individual e social. A exemplo da abundância de mentiras, sobretudo contra os outros, seja por fake news ou de ouvido a ouvido, o que é uma característica reinante dessa crescente perda de valores.
Há mentirosos por ódio, por vingança, por ganância, por partidarismo político e ideológico, como também até por proselitismo religioso. Trata-se de personagens desprezíveis, melhor fosse que eles sofressem de “hiperamnésia”, viesse-lhes o castigo de sofrer o esquecimento de tudo, como ocorreu com Macondo, na imaginação de Gabriel García Márquez, em Cem Anos de Solidão. E que os ofendidos por eles se lembrassem de tudo, inclusive desses difamadores sem memória do que seja o Bem. Que essa desvalia os afogasse no poção de suas injúrias e de odientas mentiras.
Admiro a mentira que não ofende, jocosa e que chega a ser objeto da arte, da pintura, do cinema e da literatura. De quais coisas desejaríamos esquecer? Certamente de tudo o que provém da malignidade. Mas, um sopro divino ajuda a memória para discernir o prestável do imprestável; o joio do trigo; o espinho da flor. Nesse sentido, a memória devém uma fonte de construções construtivas. Enfim, melhor lembrar do que esquecer. O esquecimento das maldades não deixa de ser uma fuga das ansiedades, do tédio, do perigo, das privações, da fome, das epidemias, das guerras, ou sereno caminho para a paz. Não bastaria fugir excentricamente do mundo, mas sobretudo, concentricamente, transformando-nos dentro de nós mesmos, daquilo que internamente nos atordoa.
Tenho cuidado da criação de museus, por incumbência dada por João Azevêdo, o que me tem levado a refletir sobre o significado deles. Quando o Governador nos diz que “museu é, antes de tudo, uma obra do futuro”, ele não despreza o passado, encontra-se, nessa assertiva, também o passado, quando se faz uma possível dinâmica síntese, no equilíbrio entre lembrar e esquecer. Isso faz parte inevitavelmente da vida. Trazer à memória o que é bom se opõe a esquecer, olvidar que significaria considerar o que se deixa ao desprezo. O Museu da História da Paraíba Palácio da Redenção, recém-criado pelo Governo do Estado e em fase de construção, não deixará de ser um topos, um templo para se cultuar a reminiscência das pessoas, fatos e coisas que se tornaram merecedoras de recordação histórica. Platão chegou a sublimar essas recordações como lembranças do que foi contemplado pelos espíritos, em vidas anteriores... Tenho recriado o passado no presente, com a previsibilidade do futuro, consciente de que não esquecer é especialmente valorizar. Existe uma proximidade muito grande do esquecimento total com a morte, o que é observável em quem perdeu totalmente a memória. Nas filosofias de Jacques Maritain e de Alceu Amoroso Lima, intui-se o pensamento de que seremos lembrados à proporção que fizermos bem aos outros. Fazer o bem somente a si próprio não conta. Nessa contraditória humanidade, há os que se simulam esquecidos, quando serem lembrados lhes é desfavorável, especialmente no frisson do mercado do trabalho e das vaidades.