Gol de Placa
Homenagem aos "pentacampeões mundiais de Futebol - ano 2002"
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A televisão não me acordou às oito e vinte: hora em que eu a programei.
Despertei ouvindo um barulho infernal. Poderia ser celestial, purgatorial, sei lá.. .. o certo é que não dava mais para dormir. Vozes perturbavam gritando gol, goooooool, gooool.
Olhei para o despertador digital e vi seus números vermelhos piscando, piscando sem parar — Acho que na madrugada faltou luz — pensei.
Liguei a TV num canal que exibe a hora vinte e quatro horas sem parar. Marcava nove horas e . . .. . . . nem olhei o resto da hora.
— Caramba, como eu dormi! — falei pras paredes.
Então me lembrei que o barulho lá fora poderia ser comemoração de algum gol. Mas de quem? Sei lá, eu ainda estava um pouco sonâmbulo e nem me interessei. Mudei para o canal do plim, plim, o 5, e com a visão embaraçada li no placar: Brasil 0 X 0 Inglaterra.
— Que alívio! Acho que hoje a Bolsa de Valores, a Bovespa, vai ser calma. Ao meio dia darei uma olhadinha no telejornal e verei o seu pregão: aquele que aparece a cotação do dia. — Mas que diabo eu tenho a ver com isso? — Indaguei-me e concluí resmungando: — Pois é! Se a da Argentina saiu na frente quebrando tudo, porque isso não poderia acontecer também aqui? Então eu tenho alguma coisa a ver. Não quero ver o povão quebrando tudo só por causa da quebra da Bolsa. Nossos bolsos, digo, os da Nação, há muito estão quebrados. Deeeeus nos livre!
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Gooooool, goooooool, goooool do Brasiiiiil.
Novamente aquele barulho, aquela gritaria infernal lá no lado de fora.
— Será que esse povo não tem mesmo o que fazer? — Pensei. — Ué! Mas na TV ninguém fez outro gol. Como é que pode? Estão comemorando gol sem fazer gol? Vou dar uma olhadinha lá fora. Vou conferir esta perturbação, esta arruaça.
Um pouco apreensivo devido a tanta violência, abri apenas uma frestinha da porta e espiei. Ninguém na rua. Não senti cheiro de pólvora, não ouvi barulho de bombinha e nem de tiros
— Que alívio! Só gritaria de gol.
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Goooool do Ronaldinho, gooool do Brasil. Outra vez, vozerios na rua. Um barulho forte. Uma coisa de loucos.
— Diabos! Estas pestes não calam — esbravejei. — Não agüento mais essas besteiras de torcedores, de arruaceiros, sei lá. Vão tudo pra puta que pariu — desabafei esmurrando a porta.
— Calma lá rapaz! Hoje é jogo do Brasil. Fiz minha autocorreção e continuei a olhar.
Um caminhão passa, e atrás dele um batalhão de garis corre colhendo o imprestável, o repugnante e ao mesmo tempo eles chutam e batem com pedaços de pau na lataria do velho caminhão e gritam: goooool, goooool do Ronaldinho. Gol, gol, gooooool do Brasiiil, e no meio de tudo isso, inúmeros pregões: aqueles que hospedam a ferrugem, que ferem e machucam.
— Não. Eles nada festejam. Apenas trabalham catando o resto de todos os nossos sonhos, o fim de todos os nossos luxos: bolsas de lixo.
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