Sua personalidade no lixo.
© Edir Araujo
Como assim? Então minha personalidade está no lixo? Calma! Isso não é nada depreciativo e não quer dizer que você seja mau caráter ou coisa parecida. Quando digo isso quero dizer que o seu lixo doméstico pode revelar muito sobre quem é você. Sobre a sua personalidade. O lixo é revelador. Claro que isso pode ser caracterizado como invasão de privacidade. Mas quando alguém quer xeretar a sua vida ela vasculha até o seu lixo. Então vai descobrir os seus hábitos, sua dieta, sua rotina, sua intimidade, enfim, toda sua vida fica exposta. Onde? No lixo.
Cuidado com o seu lixo. Saiba que uma simples anotação pode ser comprometedora. Lembretes, extratos bancários, boletos pagos, contrato de bens e serviços, lista de compras, embalagens de alimentos, de remédios, etc. Sabe o que eu faço? Cada vez que eu vou jogar o lixo fora eu me detenho, dizendo pra mim mesmo: “Tenho que dar uma revisada neste lixo.” Podem descobrir, por exemplo, que eu adoro chocolate amargo, que eu adoro abacate. Mas como? Abacate? Sim. Ah! Por causa do caroço do abacate? Não. O caroço não vai para o lixo. Eu como. Come? Sim. Faço farinha. Eu boto pra secar, ralo, passo na peneira e como. Faço um shake proteico. Super nutritivo. Como se diz por aí: “Dessa fruta eu como até o caroço”. Acho que eu acabo botando minhoca na cabeça do examinador de lixo. Ele deve pensar: “Ué! E o caroço do abacate? Só achei as cascas”.
O mais difícil é descobrir quem mexe no seu lixo. Você pode pedir alguém para sondar para você. Geralmente eles (os xeretas) fazem isso quando você sai de casa. Cuidado! Seu lixo pode ser revelador em relação a sua vida. Através dele as pessoas podem descobrir muitas coisas sobre você. Detalhes que você nem imagina. Ele vasculha tudo em busca de informações. Se você é uma pessoa detalhista, que anota tudo, cuidado redobrado.
O examinador pode ser chamado de “lixólogo”. Isso mesmo. Estuda seu lixo detalhadamente, com perícia. Estatisticamente, tudo catalogado, munido de luvas de látex, máscara por causa do mau cheiro e até uma lupa. Pode ser chamado de autópsia do lixo. Através do seu lixo ele pode saber até o que você pensa. Portanto, analise cada item que vai para o lixo e pergunte-se: Isso não vai me comprometer ou expor algo sobre mim. Existe também o termo Garbologia que é um ramo de pesquisa da arqueologia que estuda os resíduos deixados por uma população e analisa-os para tentar obter informações sobre os seus costumes. Sugiro pesquisar sobre garbologia.
Sabemos que é muito comum pessoas pobres revirar o lixo no aterro sanitário em busca de algo de valor. Mas no caso do “lixólogo” o trabalho é realizado minuciosamente. Ele vai investigar o lixo. Meu vizinho do andar de baixo, Roberto (nome fictício, para manter a privacidade) me disse que descobriram que ele toma lexotan diariamente. Então eu disse a ele: “Fica ligado, alguém tá xeretando seu lixo.” Confesso que até então eu não sabia pra que servia esse remédio. Fui pesquisar na internet, é claro. Conclusão: descobri que Roberto é esquizofrênico. Costumo encontrá-lo no saguão do prédio, fiz amizade com ele, ótima pessoa, aparenta ser um cara perfeitamente normal, entretanto, ele tem transtornos psiquiátricos. Certamente apresenta alguns sintomas como depressão, ansiedade, bipolaridade, etc.
Outro detalhe importante, se você mora em condomínio preste atenção no zelador. Ele tem contato com o lixo de todos os moradores, acesso diário ao lixo que retira para coleta do lixeiro. No silêncio da noite ele pega algumas sacolas e lá vai examinar. Claro que não me refiro a todos os zeladores. Senão eles vão me atirar pedras. Refiro-me ao mau caráter, que não inspira confiança, afinal, sabemos que em todas as categorias e profissões existem os bons e os ruins.
Mas não é crime fuçar no lixo alheio? Está cometendo crime? Tem algo previsto em legislação sobre isso? Qual a orientação para os condomínios, inclusive funcionários que recolhem o lixo e de repente podem ficar xeretando? A resposta é não, não e não. Bisbilhotar o lixo dos outros não é crime. No campo jurídico não há vedação ou qualquer tipo de punição para uma pessoa que passa a mexer no lixo da outra constantemente. Porém, se comentar ou repassar informações para terceiros, chantagear para obter algum benefício próprio, ou que possa denegrir a imagem da pessoa, pode ensejar danos morais. Enfim, todo lixo descartado e retirado por empresas de reciclagem torna-se público, e pode ser vasculhado e bisbilhotado por terceiros e até por pessoas interessadas em realizar algum crime. A polícia pode vasculhar também em busca de alguma pista.
Portanto, se você realmente se preocupa com a sua privacidade procure inutilizar cartas, papeis, documentos, fotografias, e tudo que possa eventualmente comprometê-lo. Não seria justo, por exemplo, acusar um faxineiro que leu uma carta encontrada na lixeira de um prédio pelo crime de “violação de correspondência”. Cuidado! O lixo escancara quem somos. Há um mundo invisível que está dentro do seu cesto de lixo.
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Autor de A passagem dos cometas, Risos e lágrimas, A boneca de pano,
Fulana (inédito) e muitos poemas, crônicas, contos, microcontos e artigos publicados na web "ad aeternum".