Quanta fragilidade existe numa criança!
Ela vem ao mundo titubeante depois de ter passado tanto tempo na sua viagem para a vida...protegida dentro de sua mãe.
Minha mãe diz que eu nasci rapidamente...nem deu tempo de ir ao Hospital, nasci em casa mesmo (acho que sempre tive pressa de viver...).
Não tive a experiencia de estar grávida, minha filha nasceu de outra mãe, mas...muitas vezes eu me esqueço disso.
Uma vez fui levá-la ao medico e ele perguntando o histórico de doenças da família, e comecei a falar de todas...
Quando fomos buscar nossa filha, foi uma viagem conflitante para mim. Eu, que sempre trabalhei como Secretaria Executiva, tinha minha vida livre e sem compromissos, teria que ser responsável por um serzinho.
Vocês já assistiram aquele filme "Presente de Grego" com a Dianne Keaton? Ela, uma executiva, recebe uma herança e quando vai no Aeroporto encontrar com a pessoa da família que lhe daria essa herança, lhe deram um bebê! Me senti a própria!
Chegamos para buscá-la, e a hora que me deram ela nas mãos, (lembro que ela estava embrulhada em um cobertorzinho azul que tenho até hoje), sentimos aquela ternura desmedida ao olhar seu cabelinho preto (ela tinha um monte de cabelo), uma boquinha vermelha que parecia um moranguinho. Ela estava vestida com a roupinha da boneca do Promotor que nos ajudou a adota-la.
Peguei-a no colo, com uma certa insegurança. Será que uma mãe que passa nove meses com um filho na barriga, tem mais segurança do que uma mãe adotiva? Não sei... Dormimos num Hotel, e ela chorou a noite inteirinha.
No dia seguinte eu tinha vontade de voltar, entregá-la e dizer: "Olha, obrigada, a experiencia foi boa mas..."
Na época eu trabalhava na Brystol Myers Squibb em São Paulo, Secretaria Executiva daquelas que ficava depois do serviço, e ia trabalhar nos fins de semana. Era workaholic. Meu chefe então, humano como era, concedeu-me dois meses de férias.
Dai para frente, conciliei a "profissional" e a "mae" com certa dificuldade. Quando a deixei no Bercario pela primeira vez, fui chorando dirigindo pela Avenida Santo Amaro e no meio do caminho, voltei para ver se havia deixado o cobertorzinho (pura desculpa).
Minha filha me ensinou tanta coisa! Surpreendi-me com minha capacidade de amar. Sempre tive medo de comprometer minha liberdade, e percebi o quanto cresci, e quantas lições de vida ela me deu: lições de desprendimento, de doação, de entendimento, de crescimento e aprendizado.
Na verdade o que percebemos é que a vida é um ciclo. Passamos a viver tudo de novo, o que vivemos na nossa infância. A sentir o amor que nossa mãe teve pelos seus filhos.
Na época que vim para os EUA minha filha estava com 1 ano. Ensinei-a tantas coisas, como o abecedário inteiro, joguinhos, e li para ela todos os livros infantis. O mais engraçado...na Historia da Branca de Neve, me lembro tão bem... Ela abria o livrinho (sem ler), mas seguia direitinho a historia, e na hora que a Branca de Neve comia a maca envenenada, ela se jogava no chão...e morria, e eu era o Príncipe que tinha que beija-la. Era um verdadeiro teatro!
Depois...a Cinderela, ela pegava a vassoura, e varria, limpava, e eu a irmã ruim, brigava com ela. E a famosa hora onde o Príncipe (eu) experimentava o sapatinho...e quando servia nela (porque era dela mesmo...risos) ela ficava encantada! Ate hoje me lembro do rostinho dela e seu sorriso, como a "escolhida do Príncipe".
Minha filha tirou de dentro do meu coração os mais profundos sentimentos, que eu nem mesma imaginava que existiam.
Contamos a ela que ela era adotada desde pequenininha. Falávamos que ela havia nascido do nosso coração. Quando adolescente, ela teve muitos questionamentos, mas sempre respondemos tudo com a maior sinceridade.
Quando pequena, ela tinha cabelinho "afro", hoje ela alisa o cabelo, formou-se na Faculdade em Business, tem um ótimo emprego, fez cursos, foi promovida, e com 32 anos já tem sua vida própria.
Sou vaidosa, sem chegar aos extremos, mas não vou a um Supermercado sem me arrumar.
Ela sai com seus jeans furados, sandalinha "havaiana", camiseta, super simples. De vez em quando ela se produz.
Vocês repararam o quanto aprendemos com os filhos? O quanto eles mostram nossas falhas? O desejo de todos os pais é não cometer os erros que nossos pais cometeram...queremos fazer tudo diferente...no entanto, também erramos, claro. Afinal, somos humanos, tentamos desesperadamente acertar.
Oras...não é assim a vida? Não somente em relação aos filhos, mas em relação a nos mesmos... No entanto, tudo que passamos, nada mais é do que um aprendizado constante. Não teríamos hoje a cabeça que temos, a experiência que temos, se não tivéssemos passado por tudo que passamos...
A coisa mais bonita que aconteceu em minha vida foi SER MÃE. Não vejo nada que substitua esse prazer de ver um filho crescendo, aprendendo, formando sua própria personalidade. E ao mesmo tempo, mudando nossos valores em relação à vida.
Não é bonito pensar que um pedaço do nosso coração caminha em outro corpo? Uma continuação de nós.
Um dia eles entenderão tantas coisas que não entendem agora.
Assim como hoje - nós entendemos.