MEU SÍTIO, MINHAS HISTÓRIAS
Não sou muito dado a relatar fatos reais, realidade nua, em se tratando de quaisquer textos literários. Sempre preferi e continuo preferindo deixar a imaginação buscar no passado ou no simples exercício do faz de contas, coisas e causos que eu possa inventar ou no mínimo dar cores a meu gosto, sem infringir as regras do bem viver.
Ultimamente, tenho me lançado a falar da natureza, dizendo dum pedaço de mato que acabei adquirindo para exercitar meu gosto e meu regalo advindo lá da tenra infância, eis que cresci e me fiz homem morando em longínquo sertão, rodeado de serras, cachoeiras, muitos bichos, pássaros mil e todas as demais coisas que a vida caipira se nos oferece. Principalmente se esse sertão está dentro da exuberância das matas atlânticas.
Passados tantas décadas, desde quando migrei do meio do mato para a cidade grande, passando e arcando com todas as consequências do choque que as coisa urbanas acarretam num matuto adolescente, estar aqui escrevendo e contanto disso, é prova que, apesar te tudo, sobrevivi. Aliás, sobrevivi vivendo intensamente as coisas da “cidade grande”, sempre carregando na mochila as leis, conceitos, gostos e regalos da vida interiorana.
Não devo entrar no mérito das mazelas do choque que vivi nesse processo do êxodo rural. Sobre isso já escrevi, já contei muito. Já lamentei em prosa e muitos versos e vezes em quando ainda remexo nas feridas cujas cascas vivo a beliscar, por vezes fazer sangrar. E como dói.
Quero mesmo é dizer do meu pedaço de terra, que consegui adquirir, meio que realizando um sonho de retorno, que seja parcial, aos espaços da minha meninice. Sim, um pedaço de terra no pé da serra de Aurora, município de Aurora, no Alto Vale de Santa Catarina.
São 11 hectares, ou seja, 110 mil metros quadrados, com uma mata resguardada a mais ou menos 40 anos, quer dizer, já com árvores em formação, já com um jeitinho de floresta atlântica. A flora e a fauna se ajeitando, se achegando e ali passando a viver e a me encantar.
Tem água abundante. Duas cachoeiras cortam minhas terras e se entregam docemente no pequeno rio que frenteia essas minha terra. Tem até o deslumbre visual de algumas cachoeiras, uma que pode ser vista de longe, outras que ficam escondidas timidamente no meio da mata, só mostrando a cara em tempos de chuvas abundantes.
Gostoso é que os ribeiros, cachoeiras, se principiam em nascentes dentro dessas minhas poucas terras e assim eu me sinto o detentor, o gerador das águas, bem parecido com o menino que sonhava em ir para cidade, virar doutor e quem sabe um dia voltar, homem feito e poderoso a se servir das águas da nascente que avizinhava a casa onde me criei, rodeada por um pomar variado, habitat da passarinhada danada, que barulhava todo o tempo, beliscando as laranjas, os figos, e tudo mais que os atraia e sustentava.
Nesse meu pedaço de terra, que fica exatamente no final da Rua que descamba da estrada geral Fundos Aurora. No fim dessa estrada fica a porteira que dá entrada para meu sítio. Bem parecido com final de mundo, onde passo alguns dias, algum tempo, para me apaziguar das coisas doidas da cidade, meio que bulindo o final da vida, que se aproxima, lenta mas teimosamente.
No pé da serra construí uma casa que batizei de “Casarão Velho Andrino”, em alusão e como oferenda ao meu velho pai já falecido a vinte e poucos anos. E é bem um casarão, construída a partir de um galpão rustico, de longos e grossos paus de eucalipto, ao redor do qual mandei levantar robustas paredes de tijolos a vista. Por dentro, a mescla da robustez do galpão, com o conforto que a velhice e o bem estar requerem. Claro, sem faltar aquele aconchegante fogão a lenha, grande mesa feita a partir de uma “lasca” de canela preta, creio x vezes centenária, a viciante mesa de sinuca, onde exibo minhas habilidades aos amigos e aquela mesinha de carteado para avançar nas noites e esperar as madrugadas regadas a cachaça, que jamais pode faltar. Claro que não falta também vinho para quem gosta e a cerveja para quem não é de ferro e eu não sou.
À frente do casarão aquela lagoa, que reflete o sol e as vezes a lua e onde moram, sem algazarra, tilápias, carpas, traíras e até os indesejáveis e intrometidos jundiás. Para quebrar o silêncio ao redor da lagoa, residem um casal de canso, que abandonou o sítio vizinho vindo fazer companhia ao meu casal de patos. As vezes brigam, as vezes quase se abraçam e sempre convivem. A harmonia normalmente é quebrado quando o pato resolve flertar a Gansa, ou o Ganso flertar a Pata. Daí saí de perto. Mas eu entendo.
Muito tem para contar sobre meu sítio. Principalmente da criação de Saci que tenho lá e sobre o que tenho contato em outras oportunidades. Também já contei sobre os Tatu Thor que vive ali. Agora estou me aproximando, fazendo amizades com o Sapo Thor, que vive ao redor da casa e que as vezes se propõe a puxar um carrinho de lenha para o fogão. Um Sapo porreta, grande, forte e solícito.
Sobre os Jacús, também já contei e até reclamei do fato de serem uns tratantes. Tratantes sim. Vivem a comer as hortaliças da minha horta. Não perdoam os safados. Já fiz acordo com eles, oferecendo milho farto, constante, em troca de não mexerem com as verduras. Quando propus, numa conversa amistosa, no final da tarde, eles me escutaram caladamente e não se manifestaram. Considerei que quem cala consente, concorda. Senti-me trapaceado. Cumpri a minha parte, pus um baita tratador com milho para uma semana. Eles comem o milho e não pararam de comer minhas verduras, os velhacos. Mas eu os perdoo.
Danado está o fato de segurar a cobrança dos meus netos e outras crianças que visitam o sítio, que querem porque querem visitar minha criação de Saci Pererê, que fica num reservado no meio da mata, bem no pé da serra. Fazem anos que prometo leva-los lá, mas sempre postergo, alegando isso e aquilo. Vocês me entendem né. Presumem o motivo desse constante adiamento. Não sei até quando vou segurar a molecada. As vezes me preocupo, invento mais alguns motivos, mas tenho esperança que cresçam logo e que guardem apenas a lembrança das histórias que conto sobre a dedicação que tenho para com os Sacis. Sempre falo para a criançada que gasto muito para atender aos caprichos do Saci, o que já me ajuda a justificar a falta de presentes.
Tem outras histórias por lá. Mas deixa prá lá. Tá acabando a tinta...