Morros cantantes meninos uivantes
A paisagem é linda. Do caminho posso ver o esplendor do nascer do sol ou a chuva anunciada que não deixa de ter a sua beleza.
É assim que meu dia começa. Sempre a mesma hora, sempre o mesmo lugar. Uma reta quebrada por uma curva onde se misturam a beleza, a pobreza, o encantamento e a desilusão.
Passada a curva, fica para trás a magia e começa a realidade. Dura, difícil, intransigente. Uma realidade que não perdoa.
Casebres de madeira amontoados, cães magricelos famintos perdidos no asfalto e uma bucólica choupana azul, meu ponto de referencia para o caos...
Mas o morro canta. Logo cedinho, os casebres se agitam ao som dos raps e pagodes que se arrastam e se estalam no ar e se partem dentro das gargantas dos meninos uivantes. O som que se ouve faz o mundo tremer.
Meninos e meninas, vestidos de domingo, se é que é possível isto, caminham rumo à escola com passos cadenciados, alguns já fumados, mentindo a si mesmos que vão aprender.
Ali tem de tudo...
Um garoto de olhos tristes e marcantes, com nome de jogador famoso, divide a vida escolar com o submundo.
Entre o desejo e o medo, entre surras e juras de morte, o pobre menino ainda sonha.
Às vezes, entra na sala de aula e com ares de quem perdeu o medo e me diz: “Professora, eu hoje quero aprender”. E eu, angustiada penso... Meu Deus permita ao menos que ele consiga viver.
O dia vai seguindo como pode e logo uma rebelião explode.
E os meninos uivantes dos morros cantantes, envenenados pela fome e a miséria se rebelam, se atacam, se violentam das mais variadas maneiras... Um jeito deles de pedir socorro.
E a minha vontade nesta hora, era de que um grande sol se abrisse no meio da noite lhes trazendo a luz.