Histórias de família
Sarah tem dezessete e todos os sonhos dos dezessete. Acha que já entendeu como funciona o mundo e quer estar nele. Sem família, sobretudo a mãe. Ela quer ser feliz e a mãe não deixa. Diz que vai embora daqui a alguns meses, quando completar dezoito. Com direito aos piercings e tatuagens que a mãe não permite. Vai rachar o aluguel de um estúdio com duas amigas e trabalhar como garçonete para pagar a faculdade...
Raquel tem quarenta e três e toda a angústia dos quarenta e três. Decepcionada com o marido, que, de uma hora pra outra, abandonou o emprego e se meteu a querer entender o mundo da bolsa de valores. Fica enfiado dia e noite no notebook, simulando aplicações que nunca realiza porque não tem capital para aplicar. O dinheiro do acerto de contas já acabou há mais de um ano, e hoje vivem com a ajuda da aposentaria da sogra. Justamente a sogra, de quem Raquel queria manter distância. Quando se casaram, combinaram que a família seria grande e unida, sem sogra nem mãe. Ele trabalharia, homem que é, e ela, mulher, cuidaria da casa e dos filhos. Plano de saúde e mensalidade escolar das três filhas, atrasados. E agora, a mais velha diz que vai sair de casa, trabalhar de garçonete e usar piercings...
David é advogado, por pressão do pai, que não pôde fazer faculdade e projetou seu sonho no único filho homem. As duas irmãs, sem pressão, hoje oftalmologistas e ganhando mais que ele. Assim que se formou, foi morar sozinho em outra cidade, levando consigo apenas o diploma e a namorada, com quem tinha planos de constituir uma família bem diferente da sua. Apesar de não gostar da profissão, esforçou-se até o limite de suas forças. Quando chegou a síndrome de Burnout, não encontrou outra opção a não ser se isolar em casa e tentar, com sorte e muito estudo, ganhar algum dinheiro no mercado on line da bolsa de valores. Para tanto, foi necessário sair da capital e voltar para o interior, onde vive a mãe viúva e as irmãs. A mulher não entende. A mãe, sim, tanto que lhe ajuda a manter a casa, com a aposentaria que o marido lhe deixou, até que ele possa se reerguer. Com a mulher, entocada toda noite no quarto a porta fechada, não se preocupa muito, já que tudo isso será passageiro, basta que o dinheiro volte a entrar em casa. Mas, agora, a filha mais velha, seu xodó, a quem nunca negou nada, nem dinheiro pra shopping, nem iphone de última geração, nem mesmo os piercings e tatuagens para depois dos dezoito, quer sair de casa e virar garçonete, porque acha que já entendeu como funciona o mundo...