O carteiro
– Oi, ei, oi! Carteiro!
– Robson.
– Oi?
– Meu nome é Robson.
– Ah, tá... Robson. Você não tem uma carta pra mim?
– Carta? Hum... Boleto?
– Não, carta mesmo, sabe, daquele tipo... manuscrita...
– Nossa, mas ninguém hoje em dia envia carta...
– Tá me julgando?
– Ah, não, doutor, desculpe, não quis ofender... É que...
– Sim, mas será que você não tem mesmo uma correspondência pra mim aí, é Fernando Li...
– Lira. Eu sei seu nome doutor. Sei o nome de todos aqui desta rua. Aliás, do bairro, do distrito... Tou nesse trabalho há quase 10 anos. Sabe como é. E sei um pouco de cada um também... Não que eu seja bisbilhoteiro, nada disso! E que convivendo, né...
– Ah é? O que sabe sobre mim então?
– Ah, o senhor fica em casa todo dia, o dia inteiro. Não sai pra quase nada, compra tudo pela internet, acho... Mas isso de carta eu não entendi não.
– É que eu conheci uma moça no curso EaD que fiz no ano passado, e a gente passou a se corresponder por cartas depois que o curso acabou. Eu pedi pra ser assim, queria conhecer a letra dela, o jeito de falar dela pela escrita...
– Mas, meu-deus, doutor, não era melhor marcar um encontro? Conhecer, assim, mais de perto, olho no olho?
– Depois dessa pandemia, Robson, eu fiquei meio assim de sair... E queria conhecer ela um pouco mais antes de nos encontrarmos... Tem tanta gente louca no mundo, não é?
– É, doutor. São quase quatro e meia da tarde e o senhor de roupão...
– Me julgando de novo?!
– Ah, desculpa, doutor! Não quero ofender mesmo. Mas que é estranho, é...
– É que, como você percebeu, eu trabalho em casa. Gosto de tomar banho depois do almoço e depois, se não houver videoconferência, nem tiver nenhuma entrega, posso trabalhar tranquilo, com qualquer roupa... Mas aí ouvi você conversando com o vizinho e vim correndo perguntar...
– Que dureza, hein, doutor...
– É. Já tem umas semanas que ela não me escreve...
– Não, não. Eu quis dizer sua vida. Eu acordo cedo, pego o ônibus e lá todo mundo se conhece, dividimos até o pão de queijo de vez em quando. Chego na sede e encontro o pessoal, e colocamos a conversa em dia antes de eu sair com o malote. Aí, o senhor sabe, é andar pelo bairro todo, vendo gente conhecida, gente amiga, gente nova... Todo dia tem novidade!
– É, desse ser bom mesmo. Mas eu tenho preguiça de conhecer gente nova, já que nem as “velhas” a gente consegue manter direito...
– Que isso, doutor. Coloca uma roupa e vai dar uma volta. Aproveita que o tempo está bom. Vai ver a moça preferia conhecer o senhor logo...
– É. Pode ser. Obrigado, Robson. Até amanhã.
Fernando fechou o portão e foi pesquisar sobre concursos no Correios. Seria bom ter um trabalho assim: trabalhar apenas seis horas, caminhando, sentindo a brisa, a calor aconchegante do sol da manhã e ou do final de tarde, vendo pessoas, conhecendo histórias... Ficou animado. Seis horas tomariam só uma parte do dia e ele teria o resto do dia livre depois!
Robson olhou o relógio que não deixava tostar seu pulso: 16h30. Ainda faltava meia hora de entrega pelo bairro e, depois, ainda tinha de voltar para a sede para devolver o malote e, por fim, voltar para casa... Isso é, mais meia hora dentro do ônibus, em pé. Os pés calejados doíam. Adorava seu trabalho, amava. Mas que vida boa seria – imaginou – trabalhar, a hora que quisesse, em casa... inventar um novo almoço enquanto os dois filhos pequenos chegavam da escola. E, almoçando com eles, sem pressa, perguntaria o que aprenderam naquele dia. Sim. Decidiu sorrindo, dentro do ônibus, se entregar a novas possibilidades.