A AMPULHETA E O JARDIM
Alguma coisa acontece no meu interior. Pois bem, a vontade de viver fugiu de mim. Não há flores em meu jardim e os insetos devoram as últimas folhas. As folhas de meu calendário sumiram. Até a traça tenta corroer a minha mente. A poeira tornou a minha companhia como uma avalanche sobre todo o meu corpo. As estrelas mais não brilham. O que será de mim, sem a minha gana por perto? Nenhum escrito sobre a escrivaninha.
Sobre a escrivaninha, só a ampulheta marcando o tempo. Quando será o tempo da revirada?
Parei de ver o tempo em que me perdia em pensamentos, chorando ainda a última derrota, sem perceber a janela que se abria em minha mente. A derrota pesa, tenta amarrar os meus pés, calar a minha boca, fechar os meus ouvidos, forçando uma morte prematura de meus pensamentos. A força que me impera, geme. Esta força não está em algum amuleto, pessoa que venha decifrar meus pensamentos, alguma outra coisa qualquer.
Então eu percebo: eu enlouqueci. Enlouqueci em não perceber que os sonhos não se perdem assim por causa de qualquer fracasso ou derrota. Vi apenas a ampulheta derramando seus grãos de areia. Até ela mesmo tem a sua revirada,
Onde estão os meus versos sobre as flores, amores, noite de luar, navios a embarcar, as durezas dos dias, lembranças, saudades, sem a minha força, minha gana? Só martela aquela crítica dura: você escreve em vão, seus versos não compõem nenhum refrão.
Muitas vezes é preciso um pouco de choro para a terra voltar a ser fértil novamente, pronta, para um novo recomeço, um brotar da esperança. Pois a esperança é a minha flor que jamais murcha. Choro, lágrima, esperança...
Então, eu volto a escrivaninha, em cada linha percebo uma fragrância no ar, pois são as flores ganhando vida, trocando de nomes, brincando de ser amor, autoestima e coragem, enxertadas nos galhos da esperança, na sombra da fé de dias melhores.
Com toda esta magia no ar, o deserto vira mar e o céu tem mais estrelas, barquinhos de sonhos a navegar. Tudo fica tão de repente azul!
Pude perceber que a vontade de viver nunca saiu de mim e o seu único endereço é o meu simples coração.