O país (De volta para casa)
O rapaz resolveu se sentar em um dos degraus que levavam à porta da Igreja Principal. Tinha andado muito e observado vitrines de quase todas as lojas por ali, pesquisando preços, para quem sabe, no próximo mês, se dar um presente.
Passou a mão pela testa e enxugou as gotas de suor que ainda não estavam bem formadas e ficou apreciando a visão de paisagens que dali se observava. Pensou em nem sabia em quê – os pensamentos em tumultos. Será que um dia teria um emprego no qual ao menos pudesse se sentir satisfeito? Já estava cansado de se sentir manipulado, guardando opiniões, com dinheiro escasso, somente para coisas necessárias, as que lhe bastassem. Queria tanto poder estudar e entender as coisas ao seu redor, queria tanto poder entender as pessoas, o mundo, o país...
Abaixou a cabeça, apoiando os braços sobre os joelhos. Não gostava de pensar nessas coisas – se sentia uma alma, uma mente inferior: todos ao redor pareciam tão bem, felizes...
De que reclamava, então? Ele tinha um emprego, fins de semana para fazer o que quisesse, nunca passara fome... Nunca ficara doente. Nunca. Era o bastante para ser humano. Humano? Não, nem humano ele era mais. Todos os dias ele tinha de correr para não perder a condução, onde a lotação seria metade ou dois terços a menos de pessoas. Como um engradado de pessoas. Seu estômago se contorcia em meio àquela gente, de tantas experiências vividas, e tão poucas aproveitadas...
Ele era tão jovem, brincava como um garoto no escritório, como a cata de sorrisos, mas seus pensamentos – omitidos – eram como os de um velho cansado, esperando a vida se extinguir dentro de si. E aqueles pensamentos que o invadiam, atrevidos, eram só caduquice.
A tarde se ia atrás de árvores e prédios; o vento soprou seus cabelos, e ele respirou fundo, fechando os olhos. Quão bom é poder sentir a natureza, sentir seu toque suave.
Duas senhoras, saindo da Igreja, desciam as escadarias, matraqueando sobre a vida de alguém. Ele sorriu. Provavelmente, tinham acabado de orar pela proteção de suas famílias. A maioria das pessoas tinha uma forma estranha de se apegar à vida, um modo estranho de se interessarem por ela... Mas, o que é vida, afinal? Ter sempre alguém superior para nos dar conselhos? Ter sempre alguém inferior para julgar? Buscar sempre ter alguém de nosso lado para ouvir? Ou será que é simplesmente tornar essa nossa presença o mais confortável possível? Será que a vida é somente esperar o que o destino reservou, ou será que é preciso construir esse destino a cada dia? Talvez a vida fosse uma saca de feijões, com todas suas pedras, com todos seus gravetinhos. Às pessoas caberia escolhê-la, escolher seus grãos...
Naquela tarde, ele tinha andado tanto, mas talvez não tivesse sido válido: nada de novo, tudo igual – e será que nunca iria mudar?
As garotas também olhavam as vitrines, olhos brilhantes atrás de muita maquiagem, calculando de que teriam de se privar para comprar a blusinha da moda. Outros rapazes também observavam objetos bacanas – de boas roupas ao novo modelo de celular –, tudo que atraísse mais amigos e as garotas mais cobiçadas.
Os velhos sentavam-se em bancos e bares, comentando o quanto o mundo ia mal, e como a juventude perdia seu tempo, quantas mentiras, quantas ilusões. Os restantes simplesmente passavam, apressados – sem tempo para vitrines, bancos, ou pôres-de-sol.
Ele deixou seus olhos se fixarem em outro ponto da cidade. Industrialização. Civilização. Capitalismo.
Ele era um daqueles irresponsáveis dos quais os velhos falavam, perdendo o tempo ali, um fim de tarde, em vez de estar se preparando para ir ao curso, à faculdade, estudar, para ser alguém um dia. Ele precisava ser alguém um dia. E agora, não era ninguém?
Por isso não gostava de seus pensamentos: de que adiantavam?
A noite já se apossara de toda a cidade. As estrelas cintilavam em meio ao ar denso; o vento soprando-lhe os cabelos.
Ele teria agora de voltar para casa. Disse adeus à Igreja, casa de alguém. Passou a mão sobre o rosto molhado – não de suor agora, enxugando-o. Desceu as escadarias e misturou-se com a multidão, todos no trajeto rotineiro de volta para casa. De alguma forma, ele sabia, ele sabia, ele sabia: seu caminho era diferente.