Os arrependidos
No livro “A Biblioteca da Meia-Noite” de Matt Haig, desiludida com sua vida a personagem principal decide morrer. Na “pré-morte”, ela vai parar na biblioteca da meia-noite. Não é o melhor livro de Haig, mas Nora Seed poderia ser qualquer um de nós. Em algum momento, todos gostaríamos de ter vivido uma outra vida. Ou várias outras.
Lá é confrontada com seu livro dos arrependimentos. Entrando sempre numa espécie de universos paralelos, a bibliotecária permite que Nora escolha os livros e viva centenas de vidas diferentes. Está sempre de regresso à biblioteca para uma nova tentativa. No final... Bem para saber o final é preciso ler o livro.
Da arrependida da ficção para os arrependidos da vida real. Uma reportagem da BBC News também publicada no jornal A Folha de São Paulo, fala sobre quatro inventores que criaram armas letais e se arrependeram. As armas são a bomba atômica, o agente laranja, o fuzil AK-47 e a dinamite.
O primeiro arrependido foi o físico teórico Robert Oppenheimer, o “pai da bomba atômica”. Ele liderou o conhecido “Projeto Manhattan”, após o presidente americano receber uma carta escrita por Albert Einstein. Na carta, Einstein alertava sobre os perigos que o nazismo representava para a humanidade.
No primeiro teste, uma bomba atômica foi detonada no deserto do Novo México nos Estados Unidos em julho de 1945. Não foi preciso usá-la para derrotar Adolf Hitler. Para derrotar os japoneses sim. Em agosto de 1945 duas bombas atômicas atingiram Hiroshima e Nagasaki causando entre 150 e 250 mil mortes instantâneas. Oppenheimer se arrependeu.
O segundo arrependido foi o botânico Arthur Galston. Ele jamais imaginou que o agente laranja seria usado como arma Sua área era o desenvolvimento de plantas. Modificado, o agente laranja foi usado como arma na Guerra do Vietnã para destruir florestas e colheitas. Um dos componentes do agente laranja causou o nascimento de milhares de humanos com má-formação fetal. Galston se arrependeu.
O terceiro arrependido foi o engenheiro russo Mikhail Kalashnikov. Talvez, a sua criação seja a mais conhecida no planeta atualmente. Osama Bin Laden gostava de aparecer segurando uma nas mãos. O fuzil AK-47. Antes de morrer, Kalashnikov confessou sentir uma “dor insuportável”. Numa carta escrita ao líder da igreja ortodoxa russa, dizia sentir-se o responsável por milhões de mortes causadas pelo AK-47.
Do quarto arrependido mesmo atormentado no fim da vida, pode-se dizer teve sorte. É mais conhecido pelo prêmio que leva seu nome do que pela sua criação. Certamente não existiria o prêmio se Alfred Nobel não tivesse enriquecido com os fins bélicos da dinamite. A criação do Nobel foi um pedido de perdão ao mundo.
Diferente da ficção do Matt Haig, no mundo real podemos ser confrontados com o livro dos arrependimentos antes mesmo da morte chegar. Com a leitura de “A Biblioteca da Meia-Noite”, difícil deixar de imaginar os quatro arrependidos com direito a viverem outras vidas em universos paralelos.