Neura
Eu não sei como as pessoas que gostam de ler livros vivem nesse mundo. Elas são invejáveis, sabem falar bonito, escrever bem, compreender melhor, ouvir mais… até se silenciam mais e falam na hora certa.
Para o bem da verdade, eu tinha medo das pessoa que leem. Exatamente! Elas me causavam mais pânico do que as histórias de Trancoso que minha irmã, Neide, contava na nossa infância.
Pessoas que gostam de livros me davam mais medo do que sinto ao falar com uma professora de língua portuguesa. Por quê? Porque há professores que não leem quase nada ou leem eventualmente. E o leitor compulsivo ler todo dia. Parece mais inteligente que o seu próprio mestre, acho possível que haja professores que tenham esse medo que eu tinha do aluno que ler.
Sentia-me assim todos os dias no meu trabalho de inspetora. Não diante dos professores que detém o conhecimento, tampouco de algum aluno, pois este, hoje em dia, não fica preso a livros e sim ao celular. Era ela que apavorava às minhas manhãs. A moça da secretaria.
Depois que descobri que ela tem uma biblioteca em casa; que é leitora desde a primeira infância e que ler livros diariamente, aí f*deu. Acompanho as suas redes sociais e vi seus textos que analisam comportamento político e social. Daí, eu nem conseguia olhá-la nos olhos, achando que estaria lendo tudo de mim, como se fosse eu, sua personagem antagonista de algum enredo que lera antes.
Na verdade, eu deveria não ter medo daquele que ler, e sim inveja. Mas ter inveja de quem ler faz o invejoso querer ler também, aí vem a preguiça e tal… A sensação seria quase igual que sentimos debaixo do olhar da nossa mãe depois que aprontamos.. Eu disse quase! Porque só de minha mãe eu tinha o maior dos medos. Tipo, ela me ornamentou, me criou e sabe todas as minhas manhas e fraquezas e na minha meninice, sabia quando era verdade ou não a versão que eu relatava das brigas com minha irmã mais nova. E aquela moça da secretaria, ela não me conhece a fundo como minha mãezinha, mas na maioria das vezes, seu sábio silêncio é semelhante ao dela.
Está aí o diagnóstico, que até o início desta narrativa, eu não sabia explicar. Agora vejo que como mamãe, o leitor e a moça, na verdade, têm uma sensibilidade imensa e uma grande empatia com a pessoa próxima, devido a sua experiência , não de vida, (embora tenham trinta anos ou menos, mas transpiram sabedoria de meio século) mas a de quem já viu minha história nas obras lidas e sabem bem o desfecho, melhor do que o parecer do juiz e do médico.
Gostar de ler, não é profissão e nem obrigação, assim como ser mãe também não seja isso. Gostar de ler é mais que um hábito, eu diria que é um dom. E se tinha medo, é porque somos parecidos. Eu como escritora de poesias clássicas ou populares e contos, muito pouco ou menos do que eu gostaria, li na minha vida inteira, por conta da falta de acessibilidade na minha infância e adolescência. Talvez até aqui eu tenha lido 40 livros, mais ou menos, e foi suficiente na época, o primeiro contato com a leitura para que fosse traçado meu futuro de estudante, razão esta que me faz estar aqui relatando neuroticamente, o comportamento de leitores. Hoje escrevo porque um dia li e me encantei. Mesmo que eu a tenha deixado em segundo ou terceiro plano, a leitura ainda me encanta.
De certo, quem escreve é antes de tudo um leitor. Não que todos que leem tornem-se escritores - apesar de escreverem melhor - mas todos os escritores faz leitura do mundo e de livros. E isso não me causa medo e sim admiração; desperta identidade intelectual deixada à parte nas idas e voltas da vida, pois todos os leitores da minha classe social, carregam uma história de leitura semelhante a minha.