PÓDIO MUSICAL

VAMOS COMPARAR TRES ARTISTAS COM ESTILO E GÊNERO MUSICAL DIVERSOS : JOÃO DO VALE,MARANHENSE ( 1934 – 1996) , NELSON FREIRE, MINEIRO (1944 – 2021) e MARÍLIA MENDONÇA, GOIANA (1995 – 2021). NELSON E MARÍLIA MORRERAM NO INÍCIO DE NOVEMBRO DE 2021 E, JOÃO EGRESSO DO FORRÓ, FAZ O CONTRAPONTO COM A MÚSICA SERTANEJA.DE MARÍLIA. DOIS ARTISTAS VOLTADOS PARA A MÚSICA POPULAR E O TERCEIRO PARA A MÚSICA CLÁSSICA.

SÃO PROFISSIONAIS QUE SE PROJETARAM NO CENÁRIO CULTURAL BRASILEIRO.NELSON ERA CONHECIDO PELA ‘” PROFUNDIDADE INTERPRETATIVA” ATUANDO COMO SOLISTA COM AS ORQUESTRAS MAIS CONCEITUADAS DO MUNDO. JOÃO UM COMPOSITOR E CANTOR DE RARO TALENTO REFERÊNCIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA (MPB), AUTOR DE CARCARÁ, ERA REVERENCIADO POR DEZ ENTRE DEZ ARTISTAS DE SEU TEMPO. MARÍLIA SE NOTABILIZOU COMO UM FENÔMENO DE MASSAS. O YOUTUBE CONCEDEU A ELA, EM 2020, O PRÊMIO DE MAIOR AUDIÊNCIA DE TODOS OS TEMPOS. FOI SUA PRIMEIRA LIVE, EM 08 DE ABRIL DESSE ANO, COM 3,31 MILHÕES DE VISUALIZAÇÕES, SENDO A LIVE MAIS VISTA DE TODA A HISTÓRIA DO YOUTUBE. A CANTORA ERA CONHECIDA COMO A “RAINHA DA SOFRÊNCIA” LIGADA AO GÊNERO SERTANEJO UNIVERSITÁRIO.

EM SUAS HISTÓRIAS DE VIDA HÁ POUCOS PONTOS EM COMUM, MAS TODOS FORAM RECONHECIDOS COMO CRIANÇAS PRODÍGIO, AFINADOS COM A MÚSICA DESDE BEM PEQUENOS. O ÚNICO QUE PÔDE APERFEIÇOAR SEU TALENTO DESDE CRIANÇA, FOI NELSON, POIS COM CINCO ANOS DE IDADE MUDOU COM TODA A FAMÍLIA, PARA O RIO, COM A FINALIDADE DE INVESTIR EM SUA CARREIRA DE PIANISTA. MORREU DE UMA QUEDA EM SUA CASA E FOI VELADO NO TEATRO MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO. MAS, JOÃO DESDE CEDO BISCATEAVA PARA SOBREVIVER, ATÉ Chegar AO RIO E TRABALHAR NO BAR DE ZÉ KÉTI, ONDE FOI POSSÍVEL MOSTRAR SUAS COMPOSIÇÕES. ERA POBRE, PRETO E QUASE ANALFABETO QUE CRIOU OBRAS INESQUECÍVEIS MARCANDO A CANÇÃO POPULAR. PORÉM , COM TODO ESSE TALENTO MORREU NO ANONIMATO E NA MISÉRIA. ATÉ HOJE É DESCONHECIDO DE GRANDE PARTE DOS BRASILEIROS. TEM APENAS DOIS ÚNICOS CDs, UM DE 1981 (SONY MUSIC) E OUTRO DA BMG, AMBOS PRODUZIDOS POR CHICO BUARQUE. A JOVEM MARÍLIA QUE COMEÇOU A COMPOR AOS QUATORZE ANOS E PASSOU A VENDER SUAS MÚSICAS PARA AJUDAR SUA MÃE VIÚVA. COMO ARRIMO DE FAMÍLIA TEVE DE ADIAR O SEU SONHO DE CANTAR. MAS CHEGOU À FAMA E, NO AUGE DA CARREIRA MORREU DE FORMA TRÁGICA, DEIXANDO UM FILHO PEQUENO SEM ACALANTO, E MILHARES DE FÃS SEM A VOZ QUE DENUNCIAVA E DEFENDIA A DIGNIDADE FEMININA

NELSON FREIRE NUNCA TEVE DE ENFRENTAR DIFICULDADES FINANCEIRAS E FOI ORIENTADO PARA A MÚSICA ERUDITA., UNIVERSAL E ATEMPORAL, REDUZIDA A UM PÚBLICO DE AFICIONADOS DE ALTAS E MÉDIAS RENDAS. ERA PERFECCIONISTA, QUE GANHOU PRÊMIOS E CONDECORAÇÕES INTERNACIONAIS. FOI CONSIDERADO UM MONSTRO SAGRADO DO PIANO.EM 2003, O DOCUMENTÁRIO NELSON FREIRE DE AUTORIA DE JOÃO MOREIRA SALES PRESTA A HOMENAGEM DEVIDA A ESTE NOTÁVEL BRASILEIRO. SEU ÚLTIMO DISCO, INTITULADO “ENCORES” FOI LANÇADO EM OUTUBRO DE 2019. ERA DEFENSOR DOS VALORES HUMANISTAS E DA IMPORTÃNCIA MORAL DO TRABALHO, MUITO DISCRETO NA VIDA PESSOAL E NA POLÍTICA.

JOÃO DO VALE PÔDE APROVEITAR OS SEUS MOMENTOS DE FAMA NA MEDIDA EM QUE FOI FICANDO CONHECIDO NOS MEIOS CULTURAIS DA DÉCADA DE 1960 – NO TEATRO COM O SHOW

OPINIÃO E NO CENTRO POPULAR DE CULTURA (CPC). VIAJOU PARA A EUROPA, EUA, CUBA E ANGOLA, MAS NUNCA CONSEGUIU SAIR DO BAIRRO POBRE DE NOVA IGUAÇU NA BAIXADA FLUMINENSE. ENQUANTO NO SEU GÊNERO MUSICAL A MAIORIA EXPLORAVA A SECA NO SERTÃO, ELE FALAVA DAS DESIGUALDADES SOCIAIS, E É O PRIMEIRO A ABORDAR A “REFORMA AGRÁRIA” COM A CANÇÃO: “EU SOU BOM LAVRADOR, MAS PLANTAR PARA DIVIDIR. NÃO FAÇO ISSO MAIS NÃO”. (“SINA DO CABOCLO”, PARCERIA COM BEZERRA DE AQUINO). A OPÇÃO PELA” MÚSICA ENGAJADA” FAZ COM QUE SEJA ALVO DE PERSEGUIÇÃO E CENSURA NO REGIME MILITAR. DIANTE DISSO VOLTOU PARA PEDREIRAS (MA) E, SÓ NOS ANOS DE 1980 RETORNOU AO RIO. NESTE PERÍODO FREQUENTOU O FORRÓ FORRADO NO CATETE – UM ESPAÇO DA ESQUERDA, DE UNIVERSITÁRIOS, DOS MÚSICOS PRESTIGIADOS DA MPB E DO PESSOAL DA VELHA GUARDA DO SAMBA CARIOCA. SEM CONSEGUIR MELHORAR SUAS CONDIÇÕES DE VIDA VOLTOU A SUA TERRA NATAL E MORREU ESQUECIDO POR LÁ. NOS MEIOS MUSICAIS É RECONHECIDO COMO UM DOS TRÊS MAIS REPRESENTATIVOS COMPOSITORES DA MÚSICA NORDESTINA, AO LADO DE LUIZ GONZAGA E JACKSON DO PANDEIRO.

MARÍLIA MENDONÇA CONSIDERADA A MAIS REPRESENTATIVA COMPOSITORA DO SERTANEJO UNIVERSITÁRIO QUE SE ORIGINOU DO SERTANEJO DE RAIZ, QUE VEM DA DÉCADA DE 1910, CONHECIDO COMO MÚSICA CAIPIRA. COM O TEMPO, O RITMO E OS INSTRUMENTOS PASSARAM A COOPTAR ELEMENTOS DOS GÊNEROS DISSEMINADOS PELA INDÚSTRIA CULTURAL, MUDANDO EM SUA MUSICALIDADE E ESTILO. COM ISSO GANHOU UMA PROPOSTA MAIS URBANA. NAS DÉCADAS DE 1990 HOUVE ALTERAÇÕES NAS CANÇÕES DO CAMPO COM AS DUPLAS CHITÃOZINHO/ XORORÓ E LEANDRO/LEONARDO. NA VIRADA DOS ANOS 2000 TROCARAM DE ROUPAGEM.: RETIRARAM OS ACORDEÕES E VIOLÕES E PASSARAM AOS SINTETIZADORES E GUITARRAS ELÉTRICAS. UMA MISTURA DO SERTANEJO DE RAIZ, COM O ARROCHA E O ESTILO BREGA – ASSIM SURGIU A VERTENTE ATÉ AGORA COM MAIS AUDIÊNCIA, O SERTANEJO UNIVERSITÁRIO QUE TRANSITA NO UNIVERSO POP VOLTADO PARA O PÚBLICO JOVEM. PROPÕE UMA MUSICALIDADE SIMPLES QUE FALA SOBRE O AMOR E A TRAIÇÃO. EM SUAS LETRAS UTILIZA AS GÍRIAS USADAS POR SEU PÚBLICO. MARÍLIA FEZ PARTE DO PEQUENO NÚCLEO FEMININO QUE ENCONTROU UMA BECHA ENTRE OS MÚSICOS MASCULINOS DESTE SEGMENTO.

O SERTANEJO UNIVERSITÁRIO SE POPULARIZOU TANTO QUE DESBANCOU OS FORROZEIROS E OCUPOU OS SEUS ESPAÇOS NOS FESTEJOS JUNINOS DO NORDESTE. A REVISTA VEJA DE 13 DE JUNHO DE 2017 TRAZ NOTÍCIAS SOBRE A DISPUTA ENTRE A MÚSICA NORDESTINA DE ELBA RAMALHO E O SERTANEJO UNIVERSITÁRIO DE MARÍLIA MENDONÇA. NESTA DISPUTA ENTRARAM OS GANHOS DE MERCANTILIZAÇÃO DOS SETORES BENEFICIADOS COM A TROCA DE GÊNEROS MUSICAIS.

O QUE PROJETOU MARÍLIA MENDONÇA COMO “GÊNIO POP” FOI TER FURADO O BLOQUEIO DA INDÚSTRIA CULTURAL AO INTRODUZIR O TEMA DA MULHER – VISTO PELA MULHER – DANDO UM SENTIDO MILITANTE AO SOFRIMENTO AMOROSO. AO TOMAR ESTA INICIATIVA VAI ROMPER COM A DOMINAÇÃO DO MACHO, E SE TORNAR DONA DE SEU PRÓPRIO DESTINO (“ALÔ PORTEIRO”, 1º DISCO, 2016). ESTE PONTO DE VISTA É RARO, APARECEU NA ÉPOCA DA “MÚSICA ENGAJADA”, MAS SOB A ÓTICA MASCULINA. ASSIM SE POSICIONOU CHICO BUARQUE EM “OLHOS NOS OLHOS” (1976) E IVAN LINS E VITOR MARTINS (1979) NA CANÇÃO “COMEÇAR DE NOVO”, ABERTURA DO SERIADO “MALU MULHER” NA TV GLOBO.

EM RESUMO, ENTRE OS ANOS DE 1950 A 1980 A MÚSICA NORDESTINA ESTAVA NO AUGE, E, DURANTE O REGIME MILITAR (1964-1985), A MÚSICA ENGAJADA FOI BANIDA DA MÍDIA. APÓS 1980 O POVO EM CRESCENTE MIGRAÇÃO PARA OS CENTROS URBANOS SERÁ INFLUENCIADO PELO AVANÇO DA TECNOLOGIA E DO CONSUMO DE MASSAS. MAIS TARDE, A INTERNET AMPLIOU A DIVULGAÇÃO E OS LUCROS DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA.

POR OUTRO LADO, ENTRE O ERUDITO E O POPULAR, ESTE ESTÁ MAIS SUJEITO AO CONTROLE IDEOLÓGICO DOS VALORES PREDOMINANTES. A MÚSICA CLÁSSICA.DE ACESSO RESTRITO MANTÉM PROXIMIDADE COM OS GRUPOS DOMINANTES, ELITES INTELECTUAIS E PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS, UM PÚBLICO PRIVILEGIADO, QUE SE MANTÉM ENTRE O CULTO ÀS ORIGENS MUSICAIS E A ABERTURA ÀS INOVAÇÕES. ENTRETANTO, A MÚSICA. POPULAR É A MAIS ADEQUADA A SE ABRIR AO LOTEAMENTO DO ESPAÇO SONORO POR PRODUÇÕES PADRONIZADAS. MAS, AMBAS TOCAM OS SENTIDOS, ELAS EMOCIONAM, FAZEM VIBRAR, PENETRAM NO INCONSCIENTE. TODOS TEMOS A ILUSÃO DE ESCOLHER OS ESTILOS, GÊNEROS E TEMAS MUSICAIS, MAS DE FATO SOMOS CONDICIONADOS A GOSTAR OU NÃO GOSTAR DOS SONS MUSICAIS CIRCULANDO NAS MÍDIAS. SENDO ASSIM, SÓ NOS RESTA HOMENAGEAR OS INTÉRPRETES, QUE COM SUA ORIGINALIDADE ESCAPAM DOS RÓTULOS E INVERTEM A LÓGICA DO SISTEMA ROMPENDO COM A CULTURA DA ALIENAÇÃO.

ISABELA BANDERAS
Enviado por ISABELA BANDERAS em 20/11/2021
Código do texto: T7390238
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