Dia da Consciência Negra 2021
Mensagem do dia
Todos os dias nós cidadãos temos ao menos um motivo para comemorar algo, relembrar alguma coisa, trazer à memória um fato importante de nossa história, e assim por diante...
Acho que temos também na data de hoje várias coisas a serem lembradas, mas, entre todas elas, uma que me arvoro em destacar com entusiasmo é o relativamente recente definido "Dia da Consciência Negra".
Abro apenas a primeira página de um dos nossos mais importantes períódicos, o Jornal O Estado de São Paulo de 20/11/2021, e vejo um "sem número" de matérias, manchetes e relatos de colunistas, sendo alusivos e enaltecendo a data:
- Universidades incluem mais alunos negros, mas só 3% têm equidade racial entre professores
- Número de propostas antirracistas cresce na Câmara, mas pauta permanece travada
- Futebol brasileiro registrou 51 casos de injúria racial neste ano
- Empreendedores pretos e periféricos recebem empurrão de gigantes
- E-Investidor: Caminhos para inclusão racial no mercado financeiro
- Momento é de valorização da cultura afro-brasileira, mas ainda há desafios
- EUA têm protestos após absolvição de jovem que matou 2 militantes em ato antirracismo
- Os 3 dias do festival São Paulo Cidade Violeira, o show do MPA no Bar do Frango, Graziela Brum no Canal do Poetariado e a programação da Flipelô e do dia da Consciência Negra
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E por aí vai, apenas um dos períodicos, como afirmei acima. Creio que todos os meios de comunicação hoje no Brasil, tem algo dessa memória destacada.
E porque me "arvoro com entusiasmo"?
Este ano, para não me alongar, li ao menos uns 5 livros sobre o tema escravidão, busquei várias formas de me inteirar de fatos que efetivamente ocorreram no país ao longo de vários séculos, quando era uma prática desumana a compra e venda de escravos, no caso, negros. Li depoimentos, acessei documentos em arquivos diversos, para entender porque existe incutido no âmago do brasileiro o preconceito racial e em especial à raça negra.
Casos e relatos de historiadores, jornalistas pesquisadores (e aqui enfatizo o trabalho fantástico de Laurentino Gomes), dão conta de que essa nação continua doente. Os lamentos lá do século passado, p.ex., dos poetas negros, entre tantos o Castro Alves, demoram a serem ouvidos... Como em Vozes D'África:
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Deus! Ó Deus! Onde estais que não respondes?
Em que mundo, em quéstrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos Te mandei meu grito
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?..
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Ouvidos no sentido de que sejam efetivamente discutidos e que o país precisa com urgência resgatar essa dívida que enodoa nosso espírito. Trazemos do passado ainda conosco a falta do perdão, eis que não aprendemos a entendê-lo, sequer para pedí-lo...
Aqui, junto-me à inúmeros outros estudiosos dos problemas sociais do povo brasileiro, contrariando até escritores reconhecidos como foi Gilberto Freyre (Casa grande e senzala), que invariavelmente buscaram dar conotação de que a escravidão no Brasil "foi branda"... Como pode existir um dimensionamento espúreo desse?
Fazendo uso de um pouquinho de empatia com um negro qualquer de hoje, cujo ancestral foi tirado de sua pátria, de forma brutal, marcado a ferro quente, separado de seus familiares, vendido, transportado em navio negreiro vendo seus companheiros de infortúnio, que não suportavam a travessia do atlântico, morriam e eram atirados seus corpos aos tubarões... Vencida essa triste etapa, "vitoriosos" (sic), eram revendidos aos senhores que usariam a força do seu trabalho em todos os cantos do país e em todas as atividades de então (engenho, mineração, café, seviços gerais nas fazendas e áreas urbanas, etc...), e depois, com a Lei Áurea, são simplesmente deixados ao léu e à mercê de sua própria sorte nesse Brasil imenso... Aí você o olha e não consegue enxergar todo essa "carga de infortúnio, falta de apoio e um planejamento de inserção social" no pós "libertação", cujos reflexos ele carrega até os dias de hoje.
Como já nos ensinava o Padre Antônio Vieira, um Missionário Jesuíta na Bahia, em 1691: "O Brasil tem seu corpo na América e sua alma na África"... Tal era a percepção do quanto os escravos já significavam para o nosso grande país. E até nossos dias, a África continua dentro do Brasil. Forte e predominante, como sempre esteve.
O Brasil foi o maior território escravista do ocidente por quase três séculos e meio. Recebeu, sozinho, quase 5 milhões de africanos cativos, 40% do total de 12,5 milhões embarcados para a América.
Queiram ou não, o Brasil de hoje tem como resultado o de ser o segundo país de maior população negra ou de origem africana do mundo (conf. IBGE somos cerca de 115 milhões de pretos e pardos).
Ora, meus amigos, o preço desse resgate eu não consigo avaliar, mas, tal como ocorre no caso dos precatórios, no qual o país é condenado a pagar pelas trapalhadas que "os representantes do povo" fizeram ao longo do tempo, cujas decisões jurídicas o obrigam ao resgate, também essa enorme dívida social tem que ser paga pela nação. E ela não é uma obrigação jurídica ou legal, mas de caráter moral, acima de tudo. Jamais teremos o perdão, mesmo que, como na ficção, voltássemos ao passado para desfazer as bestialidades de então, mas, é obrigação dos herdeiros dessas barbáries, buscar o espírito da paz, aquele que irá tirar esse enorme "peso ancestral" de todos nós que carregamos no nosso DNA uma boa parte da África. E eu, particularmente tenho, conforme verificado no meu teste de DNA em laboratório, 9,2% de África, sendo 4% do Centro-Leste Africano (Uganda) e 5.2% do Norte da África (atual região do Marrocos, Argélia eTunísia). O restante é de 8,2% de nativos centro e sulamericanos e 82,6% Europa.
Só assim vamos poder nos entender como um povo que honra suas origens, que terá orgulho de ser brasileiro, que olhará o mundo de cabeça erguida, e, no final dos tempos poderá dizer que conseguiu ser aquilo que por muitos séculos negou, qual seja, o de ser simplesmente "um ser humano", como de fato somos nós todos na face desse planeta maravilhoso e até aqui, possívelmente único no universo infinito.