Uma carta que ficou na história
Entre as memórias mais antigas de Campo Grande, muito antes de tornar-se capital do Mato Grosso do Sul, está uma carta escrita por João Honório Vieira de Almeida, em 6 de julho de 1886, narrando para o seu irmão, Joaquim Vieira de Almeida, as oportunidades de negócios então existentes no povoado. O interesse por esse registro está na riqueza de informações descritas pelo signatário, destacando ser o local ideal para abertura de um bom empório para atender sua crescente população. O conteúdo da mesma foi preservado em artigo do professor João Evangelista Vieira de Almeida, publicado na revista Folha da Serra, nos anos 1930, assim como em outros textos de autores locais.
Membro de uma grande família mato-grossense, Joaquim Vieira de Almeida estava morando em Coxim, mas, no ano seguinte, fixou residência em Campo Grande, onde abriu uma casa comercial, incluindo uma botica para vender medicamentos, pois exercia o ofício de farmacêutico prático. Homem letrado e de ampla cultura, ficou na história como cidadão benemérito. Estava sempre disponível para redigir atas, ofícios, contratos e petições de interesse da comunidade, além de ter sido subdelegado de polícia, assim que o arraial foi elevado à categoria de distrito de paz.
A primeira informação contida na carta diz respeito à dificuldade já encontrada, naquele ano, para comprar terras boas nas proximidades do povoado que acabava de completar uma década de fundação. As boas terras pastoris que ainda estavam sendo vendidas ficavam distantes do núcleo urbano. Desse modo, João Honório destacou a potencialidade do lugar parar a possível abertura de um bom comércio: “Achei bom é para se ter aqui um negocinho, por essa razão me esforcei para achar um lugar ideal. Parece incrível o movimento, uma povoação rica, muitos carros de boi a trançar nas ruas, muitos cavaleiros, para baixo e para cima, mulheres em silhão [sela para senhoras cavalgar trajando vestidos] trançando o espaço aos domingos, em dias de serviço usam trajes próprios e aos domingos já o luxo dos passeios, bem vestidinhos, quase todos os domingos, bailes.” Ainda consta nesse registro que, naquele momento, estava funcionando duas boas olarias nas periferias do povoado, para atender a demanda crescente de novos moradores que chegavam todas as semanas.
Para finalizar, João Honório escreveu ainda que carretas paraguaias repletas de mercadorias estavam visitando o comércio local, com regularidade, fazendo bons negócios e fornecendo prazo de até três meses para o pagamento. Caso o comprador tivesse dificuldade para pagar em dinheiro, o débito poderia ser quitado com cabeças de gado. Três anos depois, em decorrência da Lei nº 792, de 23 de novembro de 1889, o povoado foi elevado à categoria de distrito de paz e freguesia com a denominação de Santo Antônio do Campo Grande, que se tornou na bela capital dos nossos dias.