João Pereira de Castro Pinto
Ao receber o neto, voltando de Gramado, com o irmão Otto e os pais, apressou-se Lucas em dizer ter visto “chover neve”; ensinei-lhe o verbo “nevar”, mas deixei que insistisse que a “chuva era grossa, branca e fria”. Adorável sua simplicidade, também lógica e inteligente curiosidade. Em seguida, perguntou sobre o nome que ouvira, no final do voo, ainda sem explicação da Escola: “Quem é Castro Pinto?”. As crianças quase não se referem às pessoas do passado, trazem coisas, fatos e pessoas ao presente. No entanto, os adultos, referimo-nos a quem foi João Pereira de Castro Pinto. Sou sempre instigado a falar sobre esse vulto, por ser patrono da Cadeira 33, que ocupo, na Academia Paraibana de Letras, na vaga de Francisco Pereira Nóbrega, que, por sua vez, substituía Samuel Duarte, ambos expressivos intelectuais, que teceram abundantes elogios a Castro Pinto (1863 - 1944), nascido em Mamanguape.
Desde cedo, começou a se conscientizar contra a escravatura, mesmo sendo seus pais, segundo Gilberto Freyre, provenientes de tradicional e conservadora família lusitana. Contudo, impressionado por aquelas injustiças e bom sabedor do que acontecia no cativeiro, educou sua intelectualidade e seus dotes oratórios a serviço da campanha abolicionista, quando citava, com esmero e conhecimento, Nabuco, Patrocínio e Castro Alves, na época, mentores nacionais desse movimento libertador do nosso povo escravizado. Formou-se em Direito pela Faculdade de Recife, onde ele e Epitácio Pessoa se distinguiram, como brilhantes oradores paraibanos. Além de outros talentos, Castro Pinto era professor de Lógica, construindo seu poder de argumentação, fama que fez Pinheiro Machado convidá-lo para, no Senado, defender o Governo contra os ataques do “Águia de Haia”, quando Rui Barbosa gozava o auge da sua eloquência. Castro Pinto se negou a tal responsabilidade, por coerência, justificando que não se amoldaria aos interesses que não fossem de todos e que simpatizava com muitas das razões e princípios de Rui Barbosa.
O seu Governo (1912 - 1915), na Paraíba, foi profícuo, cheio de obras públicas. Era costume entregar, às mãos dos juízes, o comando da política das comarcas, sob suas jurisdições. Castro Pinto, filosofando sobre a teoria da separação dos poderes, afastou a tendenciosidade partidária dos “coronéis”, dos currais eleitorais, e o sabor político das decisões judiciárias: “Ao Juiz, diante da Lei e das evidências, apenas julgar...” Com coragem, ao separar os poderes, irritou o coronelismo eleitoreiro. Íntegro e homem de princípios, nas formalidades da sua formatura, diante das autoridades monarquistas, conforme o poeta e confrade na APL, Sérgio de Castro Pinto, seu sobrinho-bisneto, “não jurou fidelidade ao regime monárquico, que combatera com consistentes discursos contra a escravidão”, aplaudido pelo seu colega de turma, Tobias Barreto.
Em apenas dois anos e nove meses de mandato, ressalta Wellington Aguiar, também ex-Presidente e confrade na APL, que, com critérios, Castro Pinto escolhia auxiliares, se trabalhadores e competentes; também que cuidou da “Instrução Pública” e criou a Escola Normal, a Escola de Comércio, a Universidade Popular da Paraíba e o Liceu Paraibano, exigindo excelência de ensino em todos os níveis. Samuel Duarte o definiu como “honesto e político incólume”, combatendo com rigor “voto descoberto e compra de votos, violência, fraude eleitoral, assassinatos, banditismo e até pilhagem pelo interior”. Cidadão de excelência. Constatei, ao lê-lo sobre reforma de ensino, saber filosofias, ideias e teorias pedagógicas. Ainda hoje, a Paraíba lhe deve gratidão. Morreu esquecido no Rio de Janeiro, onde trabalhava num cartório e dava aulas particulares... Aqui, na sua terra, lembrado seu nome, quando alçam voos para as alturas.