PUR AMOR DI DEUSU!

PUR AMOR DI DEUSU!

- Acodi, fia!Acodi "pur amor di Deusu"!

O mininu tá lá fora caído, com a cabeça numa poça de sangue! Vige Maria! Ah! Meu Deusu! Acodi o mininu, fia!Piedadi!

Piedade era mais que um rogo. Era o desespero de um socorro urgente!

D. Maria estava desnorteada e me deixou assustada!

- Lá fora... Onde? Quem?

- Juntu do portão, fia...Caídu! Achu que ele queria entrá...Vamus lá queu mostru, fia... Coitadu...Qui coisa tristi, meu Deusu!Vamus lá, fia....

Atravessamos o corredor de saída e o pequeno jardim que envolvia a frente da escola.Abri o portão e me deparei com a cena que me levou e à dona Maria, às lágrimas:

Caído sobre a terra, um barro vermelho e seco e quente, sob um Sol ardente, vestido de sujos farrapos manchados de sangue e com a cabeça enterrada naquele monturo empapado de sangue... Um menino franzino, desacordado!

- Vamus levá ele pra drentu, fia!

- Espera d.Maria... Ele está nos ouvindo...

- Fio, o que aconteceu?

Vagarosamente, ele abriu os olhos imundos.

- Fio, fala pra genti, que é qui hove? Meu Deusu! Eu sei quem é ele! Ele já foi aluno daqui!

Agora, ela desesperara!

- Calma d. Maria! Você caiu?Como se machucou? Foi briga?

Agora, chorando, ele nos encarou.

- Ela queria arrancar minha orelha!

- Ela, quem?

- Minha mãe!

- Sua mãe? Exclamamos juntas!

D. Maria fez um sinal pra mim e perguntou:

- Dá pra ocê andá?Eu ajudu entrá na iscola. Vamu limpá "desse" sangui...

Em choque com a cena, tornei a insistir:

- Onde você se machucou?

Minha mãe queria que fosse buscar cachaça e aí eu falei que ela já estava bêbada e eu não ia...Aí, ela avançou pra mim e me mordeu a orelha...Doeu muito...Ainda tá doendo muito... E, aí, gemendo, levou a mão a orelha que ainda sangrava...

- Vamos entrar...Você toma um banho... Eu vou por um remedinho pra desinfetar e se precisar... A gente vai ao Posto, será melhor um médico ver,certo? Espera até a merenda, está bem?

- Você já comeu hoje, fio?

- Nem hoje... nem onti...Cum certeza!

(Cochichou d. Maria, baixinho).

- Faz assim... Enquanto espera servir a merenda, você come um pãozinho,está bem?

(Eu estava em choque!)

- Como você se chama?

- Valdir!

Soube,por d.Maria que ele frequentara a escola durante um tempo, mas não era um aluno assíduo. A mãe era intratável e alcoólatra. Filho de pai desconhecido, tinha um irmão adolescente, filho de outro pai, que nunca soubera quem.

E aí? Que fazer?

Eu tinha na escola, um armário com roupas. Foram doadas por amigas. Rápido, procurei algo que coubesse naquele corpo esquálido, enquanto ele tomava banho. Soube que tinha nove anos, mas parecia bem menos.Agora, vestido e limpo devorava como um animal faminto, a comida servida por d.Maria...

E aí?

- Bem, d. Maria e agora? O que fazer com ele?

- Tem jeito não, professora... Ele comeu e fugiu.

- Como fugiu?

- Ele me pediu água e quando voltei...Ele não tava mais!

Sumiu na estrada!

dacosta
Enviado por dacosta em 16/11/2021
Código do texto: T7386954
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