A Província de Maria Agraciatta
Não se conhece com precisão as origens cronológicas da província de Maria Agraciatta, muitos juram de pés juntos que sempre existiu e era uma região horripilante, pantanosa e lamacenta que aos poucos transformou-se numa província e que, atualmente, corre o risco de extinção por ser utilizada apenas como região de passagem por alguns.
Reza a lenda que pela riqueza de suas histórias e personagens provincianos, em seus tempos áureos, serviu de inspiração para Monteiro Lobato criar o Reino das Águas Claras (num paradoxo ao local); Dias Gomes na criação de Saramandaia; na animação O Fantástico Mundo de Bobby e, pasmem, no Universo mágico Harry Potteriano.
Dado ao real perigo de ser extinta de vez do mapa, cabe uma pequena homenagem em forma de crônica, a tão aprazível província.
A província de Maria Agraciatta era composta, inicialmente, por amplas casas com diversos cômodos, de cunho patriarcal e tradicionalista, onde predominavam as beatas moralistas que desempenhavam seu papel inquisidor de maneira precisa, repassando-o aos seus descendentes para que tal prática não sofresse alguma alteração ou interferência ao longo dos anos.
Dizem as más linguas que todas elas possuíam uma velinha benta à cabeceira, como expressão do santo temor mas, ao mesmo tempo, possuíam um cramulhãozinho bem escondido e velado, para dar conta das "inimizades" e dos desafortunados que ousavam não andar na linha, não seguiam a cartilha dos bons costumes imposta pelos provincianos. A província também era conhecida como Província das Amendoeiras que emporcalhavam bastante a região sendo frequentada por numerosos morcegos.
Era um festival de ceroulas e anáguas de diversos tons, peças lindas de adorno corporal que serviam para esconder e conter os desejos mais secretos e obscuros, sublimados de forma ineficaz na maioria das vezes, como diria o bom e velho Freud em outras palavras, numa tentativa de transformar o "desejo" em algo que fosse sociavelmente aceito, dentro dos padrões vigentes. Tudo isso para não existir o corrompimento da vida casta das donzelas da província, uma vez que cada ação mais calorosa era considerada pelos inquiridores como devassidão explícita.
A província continha um imaginário Juizado Provincial (composto pelos provincianos mesmo) que era responsável em punir os atos contrários à patriarcalidade, atos de insubordinação aos preceitos estabelecidos pelos "juízes feudais". A velha hipocrisia em seu mais alto grau. Inspirados, talvez, na arena romana, onde os cristãos eram atirados aos leões como forma de entretenimento.
Quem chegava à província pela primeira vez, encantava-se com a tranquilidade do lugar, com a calma e pasmaceira reinantes. Mal sabiam os desavisados, que os velhacos de plantão estavam à espreita o tempo todo, escondidos na própria covardia, atrás de muros, janelas, cortinas, etc.
Olhos de lince voltados para o mal.
O comércio local quase inexistia, algumas bodegas que serviam apenas como pano de fundo para o falatório diário, a prática mais comum da província: falar mal da vida alheia e cultivar as tretas para que não tivesse fim, era a única distração que apreciavam com ardor.
Pouquíssimos habitantes se importavam com o principal instrumento do Saber e do conhecimento: a Educação.
A maioria vivia confinada às suas casas que na parca visão de cada um, eram "templos" santificados, sem pecados ou culpa, sem algo que maculasse o bem viver.
O problema eram as sinistras "caixas pretas" de cada família da província, que faziam questão de escondê-las à sete chaves para que as mazelas não emergissem com força. Eram suas caixas de Pandora. E o melhor método utilizado para que isso não acontecesse, era atacar o outro ou a família do outro, pois, segundo eles, os fins sempre justificam os meios, como já dizia o poeta Ovídio.
O melhor da província era a igrejinha local, sempre presente num símbolo de força e fé, demonstrando a todo instante qual o melhor caminho a seguir.
Enfim, já me estendi demais, fica aqui o apelo pela preservação da província que faz parte do imaginário e folclore de muitos, de valor histórico-cultural e que até hoje contém o único padrão de vida para alguns habitantes, por não conhecerem outro, dada a habilidade com que os conceitos e práticas arcaicas foram disseminados de geração em geração, como meros fantoches de um circo falido.
Seguem alguns personagens agracienses ilustres:
Maria Farinheira, Dolores Ancas Largas, Pedro Munhequeiro, Florinda Come Quieto, Chico Corno Certeiro, Zezinha Língua Roxa, Olímpio Engole Toco, Jurema do Rosário Partido e Tonho Envergadura.
Mas, esses são enredo para uma outra história...
Obs: Esta é uma obra ficcional, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
Rj, 15/11/2021.