Comunicação 2 - Interpretação

De brincadeira, tentei definir comunicação da seguinte forma: “troca de informações entre dois seres através de um vão mediador, consumada pelo incontestável entendimento da mensagem passada do emissor para o receptor, o que quer dizer que o primeiro entende o mesmo que o segundo”.

Neste cenário idealizado, a mensagem concebida pelo emissor é igual à mensagem por ele emitida, passa intacta pelo vão mediador e é recebida pelo receptor e por ele percebida como sendo a mensagem originalmente concebida.

Mas logo percebi que esta definição estrangula a comunicação num estreito nicho. Elimina um - citando somente um - importante componente do processo real: a interpretação, subjetiva por natureza, que ambas as partes fazem sobre uma mensagem passada. A interpretação como componente da comunicação é o pivô que procurei para este texto.

A torrente de riqueza das figuras de linguagem tem como nascente a interpretação. Não fosse assim, a comunicação, desbaratada, aproximar-se-ia da matemática e dos textos técnicos. Eu não me canso de admirar a matemática e seu rígido sistema, que muitos definem – com toda justiça – como a Linguagem da Natureza ou a Palavra de Deus. No entanto, a exatidão dos cálculos é somente um polo de uma geometria maior, onde assenta-se a Existência. A imprecisão das poesias ocupa outro polo, dito oposto àquele onde se encontra os textos técnicos. Estes, da mesma forma, não se prestariam ao uso se não fossem certeiros e claros em suas palavras. Eu gostaria de ver um manual de instruções de um aparelho escrito como poema!

A interpretação de um texto é uma experiência subjetiva. Deve produzir conclusões similares entre os leitores, se o texto for técnico. Mas vai resultar nos mais ricos mosaicos de sentido para o caso de uma poesia. E é nestes mosaicos que estou pensando, com seus detalhes mais coloridos e sombrios. Pois o fruto da interpretação de um poema vem da semente, do solo e da rega nos campos da alma que, quanto mais rica for, mais frutos dará. Os mesmos versos podem ser admirados com lugubridade por um – ou ontem – e saboreados com vivacidade por outro – ou amanhã.

Palavras escritas não são objetos exclusivos do ato de interpretar. Nem palavras em si, eu complemento. Na comunicação entre duas pessoas, frente a frente, há toda uma gama de sinais permeando o universo. Estes sinais gostam de ligarem-se uns aos outros, formando uma teia tão complexa quanto a inteligência possa conceber. São palavras e suas entonações, gestos e expressões faciais, cadência da fala, o contexto onde tudo isso ocorre. Podemos acrescentar ainda itens que podem não ter sido premeditados para a conversa, como as roupas de um interlocutor, seu penteado, óculos e demais utensílios, perfume.

Passar uma mensagem exata usando todo este arsenal é como disparar um projétil que se fragmentará em várias partes. Há uma chance de um dos seus pedaços atingir o alvo. Mas qual a medida desta chance?

Lembro-me de ter aprendido que pessoas autistas têm dificuldades com expressões figuradas e linguagem corporal. Com elas, é preciso usar palavreado mais técnico do que alegórico e comunicação mais simples: seu alvo é pequeno, ou melhor, é mais seletivo, exige mais para ser atingido.

E há pessoas que nasceram com as célebres nádegas voltadas pra lua no que diz respeito à sensibilidade de ouvinte. Ao conversar com estes, fico com a impressão de que aprenderam a ler mentes e que já nem mais precisam das palavras. Este alvo é grande, largo, vistoso.

Estes foram exemplos extremos de ouvintes. Quanto aos que falam, o raciocínio se mantem. Há atiradores exímios e outros inábeis. Um bom vendedor precisa dominar o amplo arsenal da comunicação, assim como um político de sucesso – para o bem ou para o mal. Pedir um copo de água não exige manobras elaboradas, mas conseguir o voto do público sim, assim como arrancar genuínas gargalhadas da plateia as exige de um comediante. E todos estes disparos devem ser feitos de armas bem calibradas, do contrário as chances de errar são maiores.

Espanto-me com lindas cenas de diálogo em bons filmes. Tudo foi primordialmente projetado para que a cena saísse como deveria sair. Todas as nuances, passíveis de serem transmitidas pelo cinema, estão lá adornando a comunicação entre os personagens. Às vezes, pouco é dito com palavras e as pessoas já começam a chorar ou a se arrepiar, não por causa da miragem de uma mensagem definida, mas por terem sido atingidas em algo na sua alma, algo único e intransmissível, embrenhado em seus recônditos mais sensíveis. O cinema dá aos expectadores a chance de participar de um intenso diálogo sem comprometê-lo. A cena gravada não mudará jamais, mas a experiência que ela passa sim. Tudo vai depender do clima que está fazendo em nossa alma, hoje ou amanhã.

Permiti-me esta excursão ao falar de exemplos onde se tem uma multidão como ouvinte. Não é este o intuito deste texto, e vou fechar aqui este parêntese. Um de frente para o outro, comunicação direta! Uma mensagem mal interpretada pode levar ao não entendimento de seu sentido, obviamente. Duas mensagens consecutivas interpretadas de forma errônea podem abalar seriamente a comunicação. Três, podem fulminar o ato. Alguém já passou por isso? Por motivos diversos, às vezes, não estamos sintonizando bem todos nossos canais e acabamos tecendo teias confusas entre gestos, palavras, entonação etc. Aí disparamos um tiro difuso contra um alvo que, por infortúnio, decidiu-se encolher neste dia. Aí nada bate com nada! É preciso parar, pegar um fôlego, e dizer: “vamos lá, começando de novo”.

Boas interpretações sustentam um bom diálogo. Um bom silêncio sustenta boas interpretações. Se há algo que me atrevo a classificar como mensagem a ser passada por esta crônica, ou a "moral da estória", é o valor do silêncio num diálogo. Não é ficar calado! Mas se permitir pausas, refletir um pouco antes de falar e ouvir em silêncio. Pra muitos, é trivial esta tarefa, pois sempre a executaram, desde cedo. Para outros, eu incluso, por vezes ainda é um desafio suster o ciclo dado pelas duas primeiras sentenças deste parágrafo.