A caneta apoiada na orelha

Bancário por alguns anos e atualmente proprietário de uma loja 9,90, Luiz Henrique mantém o velho hábito de usar a caneta atrás da orelha.

Fazendo parte de um famoso clube de serviço é quem lavra a Ata da Reunião, mas no sistema antigo. Faz as devidas anotações e no outro dia, em casa, a escreve. As assinaturas vêm depois.

Sábado à noite, protegido por uma dose dupla de whisky, pôs-se a trabalhar. E apareceu outra dose - essa de desestímulo -, e teve de engolir em seco. O tal do empresário se recusara a contribuir com determinada ação. “FdaP mesmo. Pensa que ao morrer vai levar esse dinheiro... Só se for pra comprar lenha para o dono dos chifrezinhos”. Mas isso não dava para colocar em ata.

Até o copo se esvaziou com tamanha decepção. Outra dose dupla, com uma pedra de gelo a menos. Enquanto o gelo diminuía procurou algo para comer na geladeira.

Voltou ao trabalho. Cadê a caneta? Revirou os cantos, refez o trajeto, procurou até dentro da geladeira. Onde a teria deixado? Lápis achou quatro. Ata com lápis não dá...

- Sei quem a escondeu... Só pode. Provoquei, taí a resposta.

E o whisky lhe dando razão. Ok, ele venceu.

-23 horas já? Então banho e cama. Banho? Naquele estado? Não. Bêbado não pode tomar banho, resvala no piso ensaboado e se machuca. Lembrou quem tinha ofendido, e quando o universo ‘dele’ resolve conspirar contra, não há anjo que socorra. A última pedrinha de gelo se desfazendo no copo ainda aceita mais uns goles.

No dia seguinte a inevitável dor de cabeça e a lembrança da obrigação.

- Vamos ver onde paramos...

Sobre a pequena escrivaninha a Ata, os óculos e, descansando ao seu lado, a caneta.