A Gata Tica
Por Nemilson Vieira de Morais (*)
A Tica não é uma vira-lata; é uma gata da raça siamês; mesmo com a idade avançada ainda conserva um corpo elegante e esguio; com pelos finos, macios como o veludo; seus olhos, ora verde-mar, ora azuis da cor do céu, como um cristal, lamentavelmente não veem.
Uma branco-esmaecido, quase creme, espalhou-se na maior parte do seu corpo; no dorso, umas manchas de marrom-claro; e marrom-escuro na região da boca, testa, nas patas — dianteiras,traseiras e em toda a extensão da calda.
Ao abraçar a Tica e pôr o ouvido sobre ela, ouvi-se uma sonoridade muito legal, um ressonar a vir do seu interior… Nem sei descreve-lo.
“Se eu não escrever, a minha gata vai morrer”; — Disse o Aquiles (3 anos).
Na oralidade acima, o amigo mirim (o Aquiles), veio a mim outro dia com estas palavras, o que queria dizer com elas?!
Trazia consigo uma caneta e, uma folha de caderno. A tentar, registrar a história da Tica, a gata de estimação mais querida que já teve.
Precisava eterniza-la? Provável.
Mesmo sem um letramento (formal) o Kiki tentava descrever seu sentir sobre a Tica.
Em rabiscos emotivos, expôs no branco do papel, palavras afetivas ao querido animal. — A seu modo.
Tentava demonstrar também textualmente o seu carinho ao bicho que aprendera a amar.
Para ele se alguém iria entender seus sentimentos, dizeres… não era o 'x' da questão.
Naquele instante como escritor e leitor dele mesmo entendia perfeitamente o que aventurava escrever. Valeria apena a ele,
mesmo sem conseguir expressar-se legivelmente pelas letra que fazia.
Isso lhe bastava e ficou numa felicidade… ao me mostrar às suas traçadas linhas.
As histórias de amor, antes de aprendermos a ler, já entendemos, achamos bonitas, e podemos às escrever-las, propaga-las, não importa à maneira. Podem ser contadas ao modo de cada um de nós. — Se compreedidas ou não, não cabe a nós...
Seria mesmo de relevância a preocupação do menino, esse registro, da história da Tica. Ainda que em traços complicados de serem interpretados?
O garoto ajuda a mãe, a Manuele e eu, a cuidar da Tica e agora da sua prole; — com abrigo, ração, água, ossos, carinho…
Ela não gosta de alguns alimentos cozidos como o macarrão, arroz, feijão, abóbora… Ama de paixão, peixes, carne vermelha, frango…
De mais nova, caçava diversos animais, como roedores, pássaros, lagartixas e alguns insetos, gora não mais.
Algo muito triste aconteceu-lhe na vida… Faltou-lhe a luz do dia. — Sem a visão por completo perdeu o gosto de brincar de se divertir pelos quintais , telhados…
Restou-lhe apenas as lembranças
de quando fazia isso às vezes sozinha, outrora, com amigos ou namorados.
Assim como os humanos, os bichos também tem seu sentitimentosofrer , seu penar… nessa Terra.
A Tica com a cegueira desgostou-se da casa antiga, em que vivia, e veio morar conosco, lote vizinho. Agora cuidamos dela.
Assumimos essa responsabilidade e a Tica, já faz parte da nossa família.
Dizem que o cão é amigo do homem e o gato, amigo da casa (será?).
Ao andar sem tanto rumo, a esbarrar o rosto nos obstáculos, no percurso que faz… Ela sofre muito.
Mais recentemente a Tica teve uma grande alegria e alegrou muito a nossa casa…
Mesmo sem ver ela enxergou as coisas boas desse mundo, ao ter uns encontros (um ou dois) com o Til e constituiu com ele uma família de gatos.
O Til, quando mais novo, era o terror das gatas do lugar, as levava à loucura ao enamorar. Arrumavam uma gritaria com elas que misericórdia…
Quando garoto esses namoros davam um medo… Depois soubemos que não se tratava de brigas, era o amor deles (um ritual de acasalamento).
Com a idade o Til está mais calmo, na dele, sem muita empolgação (com as gatas) como antes.
O seu envolvimento com a Tica fora namoricos mesmo. Após 3 meses desse 'chamego'...
Ela deu à luz a três lindos filhos. — Que só abriram os olhos, após uns 15 dias de nascidos.
Acho que a Tica anda meio aborrecida com o sumiço do Til. Só o ver de longe num relance . Nem os filhos veio vê-los...
Kiki ficou alegre demais, com a chegada dos filhos da Tica ao mundo.
Logo os batizou com os nomes de salgadinho (o amarelo), Trol (o preto com manchas brancas pela cara) e Tirina (o todo preto).
A prima Manu deu uma casa de plástico à mãe e filhos, se abrigarem
Ao crescerem, eles poderão ser os olhos da mãe, penso eu; — na escuridão da vida; na casa, nas ruas, no mundo…
O Kiki demonstra ultimamente um certo temor de no futuro, perder a doce companhia da Tica e dos seus filhos.
Tentei explicar-lhe a não sofrer por antecipação. — Não se preocupar tanto com o futuro…
“Num dia chegamos, no outro, vamos embora”.
Todos nós: homens e bichos estamos nessa Terra, de passagem. Daí a oportunidade de se dar carinho, fazer o bem, amar quem estiver à nossa volta, o quanto pudermos.
De um, a um, iremos passar…
Seguirá conosco, em peso eterno, o que fizermos de bom aqui na Terra; — a Deus, às pessoas, aos bichos, à Natureza.
Nemilson Vieira de Morais
Gestor Ambiental/ Acadêmico Literário (08:11:21).