Nos processos crimes que eram submetidos á júri, os advogados de defesa dissimulavam a tese que sustentariam perante o tribunal, tática para surpreender o Promotor Público e o Auxiliar de acusação, quando apresentavam a chamada “defesa prévia” e as “razões finais”
O juiz Steel, considerado de relevante valor jurídico, esta-
va em exercício numa comarca tida como aristocrática, em face daqueles que lá habitavam ou decorrente do turismo permanente.Fizera uma carreira brilhante: delegado de polícia da ordem político-social, deputado e finalmente, após concurso público, Juiz de Direito. Invulgar, graças à delicadeza no trato.
Comentavam, que fora nomeado inicialmente para uma comarca no fim do Estado, lugar paupérrimo, sem a menor condição de habitabilidade. Foi de carro com dois amigos para entrar em exercício, cerca de 28 horas de viagem em péssima estrada, em lá chegando não havia hotel, apenas uma pensão para vendedor-viajante e sem qualquer lugar para alimentação, apenas armazéns e botequins. Os três, mesmo sem dormir, foram logo para o fórum, de um só cartório para atender a toda extensão judicial. O escrivão único, ao se apresentar ao meritíssimo logo lhe disse: há uma infinidade de processos, todos com prazos vencidos, uma vez que aqui não fica Juiz nenhum, vou levar para sua mesa os que estão na “escrivania”. Juntou-se com os dois amigos e despachou e sentenciou cerca de 300 processos.
Sem ter a onde comer e tomar banho, o Juiz regressou à Capital e dois dias depois entregou o cargo ao Presidente do Tribunal, sendo então removido para comarca nobre.
Estava ele no fórum quando avistou Robert, ex-colega e companheiro de lides forenses, disse-lhe estou com um problema lá em Teresópolis, já convidei e depois designei defensores dativos vários advogados que lá militam para defender um réu, pobre acusado de assassinar um sócio do maior empório da localidade e todos declinaram da nomeação, sob diferentes pretextos. O auxiliar de acusação é o grande criminalista do Rio de Janeiro, Dr. Romeiro Neto, que foi Secretário de Justiça do Estado e advogado do famoso caso do Ten.Bandeira, chamado “Crime do Sacopã”. Semanalmente atravessa uma petição requerendo o andamento do processo crime. Robert, você poderia ir lá fazer esse Júri, marcarei para o dia que lhe convier e sua responsabilidade profissional não será abalada, não só pela pessoa do réu, como em razão da repercussão do caso perante a sociedade local.
Robert lhe disse, Steel, Vossa Excelência, é uma pessoa a quem não se pode negar nada, aceito o desafio de enfrentar o Promotor e o Criminalista contratado por um “rio de honorários”.
Uma semana depois Robert chegava a Teresópolis para examinar os autos no Cartório. Não havia uma única prova em favor do réu, nem a Defesa Prévia e as Razões Finais, quando são arroladas as testemunhas que devem depor no júri. O réu estava completamente desamparado no corpo do processo. Havia apenas depoimentos de acusação, o laudo cadavérico e exames no local da macabra cena.
Robert ainda sem se avistar com o Juiz,se dirigiu à delegacia, a fim de conversar com o acusado e saber detalhes. Perguntou ao acusado, quantos filhos você tem? Ele respondeu, cinco, sim senhor, a mais velha com 10 para
11 ano e o menor com ano e meio. Preocupado indagou: quanto o senhor vai cobrar? Robert lhe respondeu: você tem dinheiro para pagar-me? Não, seu doutor, sou carpinteiro de obra, já estou preso a dois anos e minha filha Diva vendeu tudo que podia para trazer comida para mim e sustentar os irmãos. Robert lhe informou, nada, eu vou ser nomeado pelo
Meritíssimo Juiz; quando posso falar com Diva e a onde?
Pedro era o nome do réu disse: agora Dr. ela só vem amanhã trazer meu almoço e roupas limpas. Tudo é feito por ela, inclusive ajudando minha tia a cuidar dos irmãos.
Vamos então acertar que ela esteja aqui às 8 horas da manhã no dia do julgamento, eu preciso conversar com Diva, isso é assunto nosso, eu, você e ela, não pode ser comentado com ninguém. Ninguém entendeu. Será a sua defesa no júri, quero absoluto segredo, nem aqui, os presos e o pessoal da delegacia podem ficar sabendo. Vou recomendá-lo ao Dr. Godofredo, ele é meu amigo e delegado confiável.
Voltando ao fórum Robert retirou os autos do Cartório e foi ao gabinete de Dr. Stell, acertou a data do júri, fez a defesa prévia e com data posterior as razões finais, arrolando as mesmas testemunhas que prestaram depoimento nas audiên-cias de instrução, acrescentando o nome de Diva para prestar informações, que por ser menor não poderia funcionar na qualidade de testemunha. As duas peças oferecidas pela defesa pouco ou nada diziam, apenas negava a responsabili-
dade penal do réu
O julgamento foi marcado para 20 dias depois, data que o emérito criminalista estava disponível, para às 9 horas da manhã.
Robert por não dispor de carro contou com a boa vontade de seu pai, levando em sua companhia um colega de escritório, Dr.Tinoco. Antes de começar a sessão esteve em Cartório para contrariar o libelo acusatório, sem deixar transparecer a tese da defesa.
Cedo, cerca das 8,30 hs esteve na delegacia, orientando o réu do que deveria falar no interrogatório, em parte diferente dos depoimentos prestados na polícia e em juízo, pricipalmente que nunca desconfiara da fidelidade da mulher, nem tão pouco do negociante estar tendo relações amorosas com ela.
Diria mais, na noite do crime, o negociante estava em sua casa, armado com um revolver calibre 38, exibindo-lhe. Que a arma fora apreendida pela polícia naquela oportunidade.
Achou estranha sua mulher, mesmo estando em casa, estar vestida luxuosamente, o que levou a lhe perguntar se ia sair, respondendo que não, apenas aguardava a visita do negociante. Diva, sua filha, estava presente e os outros quatro filhos permaneciam desde dás 4 hs, da tarde na casa dos avós paternos. Diva recebera a incumbência da mãe para passar um café, que seria servido ao negociante.
Já no adiantado da noite, sua mulher lhe alertou que estavam fazendo barulho no galinheiro, e ele convidou o negociante para irem juntos, porque estava armado, passou pela cozinha e apanhou uma faca de mesa. Pressentiu que o negociante o alvejaria com o revolver, bem como a inquietação da mulher, não sabendo porque ela os acompanhou. As ações e cena do crime, você declara: que não se recorda, procurou esquecer com o decorrer do tempo.
Finalmente, Robert recomendou pode ir se preparar com a roupa limpa que Diva trouxe, pois eu vou ficar conversando com ela.
A conversa foi simples e objetiva, disse à Diva: “Conte tudo que você viu e ouviu em sua casa, quando estavam presentes sua mãe e o negociante. Não olhe para mim, que estarei na tribuna. Vão lhe perguntar, por intermédio do Juiz, que estará à sua frente, na mesa principal, todo vestido de roupa preta, seu pai tem advogado, você dirá: Não sei não. Você conhece o advogado de seu pai ? Diga, não conheço não. O advogado de seu pai está aqui? Não sei, eu não conheço ele. O que vai dizer é de sua cabeça, tudo que viu.
Antes de começar o júri, o auxiliar de acusação, Dr. Romeiro Neto esteve no Cartório conversando com o escrivão, o porteiro do auditório e dois oficiais de justiça, queria saber quais os jurados que ele teria de recusar por serem simpáticos a defesa do réu. Matreiro, senhor de um potencial de voz extraordinário, ao encontrar com Robert lhe perguntou para que as pessoas presentes pudessem ouvir: Como você vai conseguir explicar as 32 facadas, segundo o laudo cadavérico da vítima.
Robert fazia transparecer extremada calma, não deu grande importância à provocação do brilhante criminalista, respondendo, na hora sempre aparece uma argumentação convincente.. E, o advogado continuou: Creio que não terá grande eloqüência, pois sua responsabilidade profissional é mínima, mesmo que o réu seja condenado não repercutirá na sua brilhante carreira, não é?
Robert retrucou, não sei se o senhor já funcionou, ainda que no princípio da atividade de criminalista, em um júri como advogado nomeado?
O salão de julgamento estava lotado, muitas pessoas que não conseguiram lugar se mantinham nas laterais, por trás da últimas cadeiras e algumas no corredor central, impediam a visão dos que se encontravam sentados. Em si, a afluência não ocorria em razão do crime, mas principalmente em face da presença do grande criminalista João Romeiro Neto.
A Emissora Continental, que se especializara neste tipo de reportagem, já transmitia do local e muitos interessados ouviam nos rádios instalados no comércio da vizinhança e acompanhavam atentamente e trocavam comentários.
Robert tinha dois problemas a solucionar, um ele já havia contornado era o sócio da vítima, que além de contratar o célebre criminalista, prestara um depoimento contundente na instrução do processo, esse ele arrolara para depor no plenário e por isso ficara numa sala isolada, sem estar presente aos momentos importantes do julgamento. O outro era o Vice-Prefeito, advogado muito conhecido e solicitado, que não atendera a designação do Juiz para defender o réu. O tal de Dr. Oswaldinho não largava o criminalista, o acompanhando a todos os lugares, tecendo comentários em voz alta sobre o processo, enaltecendo-o e com “louvaminhas” que deixavam transparecer que ele não deixaria a defesa, nem falar. Robert logo de início, minutos depois que o réu já se encontrava sentado na cadeira destinada ao acusado, escoltado por dois soldados, pediu a palavra, surpreendentemente, e requereu que fosse nomeado um curador para assistir Diva, pelo fato de ser menor e indicava o Dr. Oswaldo para exercer aquela função judicial. Ele não pode negar, de público e até politicamente seria imprudente. Dessa forma impediu o livre trânsito do vice-prefeito e suas manifestações.
A sessão se iniciara na hora marcada, foram sorteado os sete jurados que funcionariam no julgamento, o Promotor impugnara três e o auxiliar de acusação outros três, Robert não impugnara ninguém. O Juiz depois de pequena preleção, avisou inclusive que não poderia haver qualquer manifestação das pessoas presentes, começou a fazer o interrogatório do réu.
O Promotor fez quatro perguntas a ele, sendo uma indeferida pelo Juiz, sob o fundamento que teria de ser apenas o constante nos autos.
O Delegado Godofredo chama Robert ao lado da tribuna e lhe entrega um papel, era uma certidão, que comprova ser o Promotor Público sócio cotista da firma de que eram sócios a vítima e seu irmão, arrolado como testemunha, que se encontra em sala reservada. Robert comentou, ligeiramente com o Delegado, eu já sabia, vou impugnar sua participação e argumentar que todos os atos por ele praticados estão nulos de pleno direito.
Não foi preciso, o Promotor percebera a iniciativa de Godofredo e pede a palavra pela ordem, concedida, declara ao Juiz a esdrúxula posição e apresenta uma certidão comprovando a rescisão contratual. O Juiz Stell pergunta à defesa se tem alguma impugnação a fazer. Robert tranqüilamente responde que comentaria o posicionamento do Ministério Público, sem requerer a nulidade do processo, porque não gostaria que o réu passasse mais tempo preso. Mas o comportamento do Promotor ficou muito a desejar, em face da evidente suspeição. Mais ainda, no momento oportuno a defesa se valerá daquele procedimento para impugnar uma série de abuso que ele praticara.
Ouviu-se nitidamente quando o auxiliar de acusação comentou, eu lhe adverti que Robert era um advogado ladino e usaria dessa anomalia processual para impugnar os atos processuais já praticados.
Os jurados se manifestaram com sorrisos irônicos e tentaram se comunicar, sendo interrompidos e advertidos pelo Juiz.
As testemunhas foram se contradizendo, apesar das intervenções dos acusadores, todos os depoimentos prestados na polícia e em juízo já não se mostravam relevantes ao libelo acusatório. Robert começava a avançada para a grande vitória.
= FINALMENTE, DIVA ENTRA PARA DEPOR =.
A testemunha, irmão do réu, sai da sala reservada e entra no salão de julgamento, Robert aproveita para se dirigir aos jurados e aos assistentes, este é um homem que teria de ser banido de Teresópolis, porque fez por desmerecer a confiança de sua população.
A presença de Diva aumentara a expectativa entre todos os presentes, principalmente dos jurados. Que esclarecimento poderia prestar uma menina de 11 anos, relativamente forte, vestida de forma simples, com um sapatinho desgastado, mas tranqüila, que nem parecia estar num ambiente curioso para ela. O Juiz, depois de perguntar seu nome e qualificá-la moderadamente, solicita que o Curador Dr. Oswaldo permaneça próximo a ela, dando-lhe ciência de quem se tratava e o que fazia ali.
Diva interfere pela primeira vez. Eu conheço ele, é o Dr. Oswaldo. Isso obriga o Juiz a perguntar, você tem qualquer coisa contra o Dr. Oswaldo. Diva responde, não, eu sei é que ele quer ser o Prefeito daqui e não quis defender papai.
Foi uma risada geral, até o próprio Juiz riu e disse: posso continuar. Continuar o que? Perguntou Diva. O Juiz para tornar mais amena a informação que ela prestaria, diz: “nossa conversa”. Pode, responde Diva e pergunta: eu não posso falar nada? Todos riram, o senhor ficou zangado.
O Promotor Público se dirige ao Juiz, solicitando que Diva informasse se ela gostava da mãe e como a mesma lhe tratava e os demais filhos?
O Curador interfere dizendo que era muito subjetiva a pergunta, constrangeria a informante, que se veria obrigada a falar sobre sua mãe.
O Juiz indeferiu a impugnação do Curador, permitindo que Diva informasse à conceituação que tinha sobre sua mãe.
Diva respondeu: não ligava muito não, eu é que cuido dos meus irmãos menores, dou banho, visto, comida e os coloco para dormir, quando papai não estava em casa. Ele sim é que fazia tudo; mamãe só queria ficar na rua ou no armazém do moço que brigou com papai.
O silêncio dominou o ambiente. Um jurado, inadvertidamente, levantou-se e quis falar, sendo advertido pelo Juiz, que ele não poderia se manifestar. O Juiz explicou-lhe, quando o senhor estiver na sala secreta decidindo, estando em dúvida quanto algum aspecto, poderá pedir esclarecimento.
O Promotor prosseguiu: você esteve com o advogado de seu pai?
Diva não demorou muito em responder, ele não conseguiu advogado, até Dr. Oswaldinho se negou defendê-lo.
O Juiz Steel explicou a ela, agora ele já tem.
Diva lhe disse é bom.
O Dr, Romeiro falou baixo ao Promotor: É preferível parar por aqui, essa menina pode prejudicar a condenação do réu.
Mas, o Promotor não se conformou e voltou a se dirigir ao Juiz, perguntando: Aqui nesse salão você conhece ou viu alguém conversando com seu pai, hoje pela manhã.
Diva respondeu: Vi, o Dr. Godofredo, quando eu fui levar a roupa para ele vir para aqui.
Os assistentes voltaram a rir, Diva já dominava totalmente o julgamento.
O Promotor insiste, não é isso que eu estou perguntando, eu falo de outra pessoa, que tenha conversado com seu pai?
Dr. Oswaldinho, Curador da menor, pede a palavra e para impugnar a pertinácia do Promotor, alegando que ele estava querendo induzi-la a uma resposta, que desconhecia.
O Juiz Stell, calmamente, não indefere, mas resolve modificar a pergunta, dirigindo-se à Diva: Você pode ficar em pé, olhe bem para todos os lados e veja se alguma das pessoas que aqui estão, esteve com seu pai pela manhã.
Diva obedeceu, olhou para todos os lados e disse, tem sim, o investigador Geremias, conversou com papai.
Dada a palavra a Robert, ele fica em pé na Tribuna e diz: Diva eu é que sou o advogado de seu pai.
Diva, incontinente, lhe diz: Mas ele não tem dinheiro para lhe pagar, nós ficamos mais pobres do que éramos.
Robert com a palavra, novamente, lhe diz: Você não precisa se preocupar, isso não é assunto para uma criança, alem do mais menina.
Nesta altura já algumas senhoras presentes começam a chorar alto e soluçar. O Juiz Stell perde a calma e diz: tenho advertido aos presentes que não podem se manifestar, esse tipo de comportamento não é próprio numa sessão de júri, quem quiser chorar, deixe o salão e dê expansão aos seus sentimentos lá fora.
Voltando a palavra a Robert, ele pergunta à Diva: Você viu alguma vez o negociante em sua casa na ausência de se pai?
Dr. Oswaldinho pede a palavra e requer ao Juiz que seja indeferida a pergunta, porque poderia a informante falar sobre o comportamento da própria mãe. O Juiz recomenda que Robert modifique a inquirição. Ele acata, formulando à Diva a
seguinte pergunta: Quando seu pai não estava em casa, o negociante ia lá ?
Diva esclarece, isso era o que acontecia sempre. Minha mãe nos trancava no quarto para brincar e fica com ele no quarto dela.
Robert prossegue: Você via se eles estavam vestidos?
Diva volta a falar, via sim estavam sempre sem roupas e deitados na cama dela e de papai. Passado algum tempo ele ia embora.
Robert continua: Você contava isso ao seu pai quando ele chegava do trabalho?
Diva explica: Não, tinha vergonha e pensava que papai brigaria com mamãe. Eu falava apenas com os olhos para que ele entendesse.
O Juiz Stell se dirige a Diva: “O que é falar com os olhos”?
Diva esclarece: É o mesmo que falar com a boca, olhava para ele triste dizendo que não queria ficar mais em casa e os olhos começavam a chorar, como a dizer o senhor precisa tomar uma providência nessa situação. Ele, meu pai, me abraça e meus irmãos, dizendo vou tirá-los daqui e levar para casa de vovó ou da titia, irmã dele.
Robert diz que será a última pergunta e se dirige a Diva: Seu pai fazendo isso, sua mãe não se importava, deixaria.
Diva, uma vez mais, destrói as provas de acusação. Não, era bem o que queria para ficar sozinha com o negociante, que lhe dava muitos presentes. Acrescenta: Esperava todos os dias papai no portão e perguntava, também com os olhos, quando nós vamos embora, não suportava ver todo dia a mesma coisa!
= A DEFESA DO RÉU =
Robert estava tranqüilo, embora se notasse certa agitação. Suas primeiras palavras foram ler o auto de apreensão das armas, diferente do que falava a acusação, existiam duas peças no processo, uma logo no início, relacionado ao revolver da vítima e outra nas últimas folhas, uma certidão do Cartório que dizia, ter sido deixa no balcão uma faca, descrevendo-a, envolta num bilhete dizendo ser objeto do crime. O Promotor interrompe, dirige-se ao Juiz alegando ser uma peça estranha, que ele não conhecia, nem vista fora aberta ao Ministério Público para falar.
O juiz Stelle pergunta ao escrivão como ele explicava aquela certidão. O escrivão disse a Comarca estava sem Juiz há mais de 30 dias, eu não tinha competência, como não tenho, para abrir vista ao Ministério Público, não podia ficar com aquele material sem que certificasse a origem, lavrei a certidão e encaminhei ao Porteiro do Auditório para que permanecesse com a faca, até a chegada do Juiz a ser nomeado.
Foi um “reboliço” no salão de julgamento, o Delegado Godofredo comenta em voz alta, o Dr. Promotor não trabalha, está sempre ausente, chega aqui no fórum às 14 horas e sai às 15, como pode acompanhar qualquer processo. Robert escuta, aguarda um pouco.
O Promotor vai e repete, como V. Exª descobriu isso no processo, parece-me esquisito.
Robert não espera ele tentar continuar com a suspeição, e diz: é público e notório em Teresópolis, todos sabem que V.Exª pouco ou nada trabalha, passa no fórum apenas uma hora no máximo e sai ligeiro dirigindo-se ao Empório da vítima e da testemunha, irmão dele. V. Exª recebe pelos cofres públicos para dar expediente aqui no fórum, mas era, pelo menos, até a data da rescisão contratual, mais preocupado com o negócio particular.
Os dois se desentendem, violentamente, necessitando a intervenção não só do Juiz como do criminalista João Romeiro Netto.
Robert requer ao Juiz que o Porteiro dos Auditórios traga à sessão a faca usada pelo réu. Fica perplexo, a faca pouco ou nada serviria à argumentação de defesa, de tamanho avantajado, parecia mais um facão. Quando vê, corre ao encontro do Porteiro e esconde o punho, deixando parte da lamina de fora, dentro da manga de seu paletó. Ao chegar à tribuna, proclama aos brados, está dado o passe de mágica de que V. Exª tanto falou, Dr. Promotor. Nova agitação, o Promotor se sente ofendido porque, como Robert falara mágica só num circo, ali não era circo, quando a faca surgisse: - um faria o papel de palhaço.
Robert reinicia, falando da irresponsabilidade penal. Comenta: que ao subir a serra, o colega Tinoco lhe informara que comentando com um emérito médico psiquiatra, seu amigo, esse lhe informara, pela descrição que fizera do réu e como o crime ocorrera, tudo levava a crer se tratar de um doente portador de epilepsia, distúrbio psíquico, causador de desequilíbrio de consciência. Tenho aqui um TRATADO DE PSIQUIATRIA FORENSE, de Pierre Simon, que aprofunda os conhecimentos sobre doentes e a irresponsabilidade penal por eles
ocasionadas.
Como Dr. Tinoco não vira o compêndio, nem sabia o nome do autor, resolveu anotar numa papeleta.
Robert prossegue na sua argumentação, está aqui nesse tratado, o doente epilético não tem domínio sobre si mesmo, há um descontrole geral no seu sistema nervoso, e ele depois de ter dado a primeira facada não sabe o número de consecutivas que se sucederam. Aqui, Senhores Jurados, existe um aspecto importante de ser lembrado, a vítima estava com um poder maior que o réu, um revolver 38, porque não o usou? E o réu também preferiu intimidar a vítima apenas com a faca, evitando atingi-lo com o seu revolver, logo não tinha intenção de lhe tirar a vida. Mas, Senhores Jurados, eu preferi sustentar outro aspecto de
Direito que ocorreu, por que, demoraria muito para o réu o reconhecimento da irresponsabilidade penal, em razão da perícia que teria de ser submetido, inclusive não sei se aqui em Teresópolis teria especializado nesse exame, acreditando que somente no Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro seria possível. Isso retardaria e o réu ficaria mais tempo preso do que deveria.
= A TESE DA DEFESA – COAÇÃO IRRESISTÍVEL =
Os dois acusadores ouviram calados, sem apartear, nem objetar, a declaração de Robert, que completou sua defesa está concretizada na COAÇÃO IRRESISTÍVEL praticada exatamente pela menor Diva, que aqui com a singeleza de suas palavras, próprias de uma menor com 11 anos de idade, sem usar de subterfúgios ou locupletar-se, com ingênuas palavras fez ver ao Corpo de Jurados que ela com os olhos denunciava ao pai o procedimento da mãe com a vítima.
O Auxiliar de acusação aparteia, dizendo: Como explicar falar com os olhos, eu conheço e sei dos mudos que falam com os gestos, nunca ouvi falar com os olhos.
Robert esclarece foi à maneira que Diva encontrou para denunciar a infidelidade da mãe, talvez não pudesse ser mais explicita, envergonhada ou a mãe estaria presente.
O Promotor pede o Tratado de que mencionou a defesa para ler e consultar.
Robert lhe diz, o Tratado está aqui na Tribuna para ser usada pela defesa e não para ser emprestado. Vossa Excelência recorra à biblioteca municipal se quiser ler e consultá-lo.
O representante do Ministério Público pergunta à defesa como é mesmo o nome do autor do Tratado?
Não havia Tratado nenhum, fora uma tirada de Robert para impressionar os jurados, já que ambos da acusação não conheciam, por isso não se lembrava mais o nome do pseudo autor, levando o Promotor a pedir que ao menos repetisse o nome do escritor da obra. O Dr. Tinoco que anotara passa a
Robert, e ele de forma desassombrada, olhando para um dos livros que estava na tribuna, diz com eloqüente voz:- Pierre Simon. Os jurados só faltaram aplaudir, todavia, não deixaram de dar uma risadinha irônica.
A defesa inicia sua sustentação, explicando o que o Código Penal prevê como excludente de ilicitude penal, considerando não haver crime quando o fato é cometido sob coação irresistível. Robert se demora, sem logo divulgar como ocorreu a coação irresistível, principal causativa do crime, causando impacto em todos os presentes.
Robert faz compreender ao Corpo de Jurados o que é coação e como ela ocorre, exemplificando, a fim de tornar mais entendível. Depois o que é denominada irresistível, dizendo é quando ela seduz, tornando-se invencível, chegando à fatalidade. Foi exatamente o que Diva praticou, falando com os olhos, de forma monossilábica, que uma providência seu pai, o réu, teria de tomar, não poderia perdurar aquele desrespeito dentro do lar, na presença dos filhos e toda vizinhança criticando. Seus meigos olhinhos seduziram a reação do réu, de tal maneira que impedia deixar sem reação, dava-se aí a invencibilidade que praticara. Simplesmente, quando uma criança pede um brinquedo, uma simples bala, obtém, graças a confiança que desperta na pessoa que a ouve, mais cândida, porém guarda idêntica expressão no olhar.
Diva coagiu primeiro com a denúncia na expressão olhiaguda, penetrante, impossível de não ser observada e compreendida, conseguindo ser irresistível, porque dela provinha, levando o réu adotar um procedimento e o fez como podia e sabia, não poderia usar o revolver do réu, que o mantinha em seu poder e também não sabia usá-lo.
A responsabilidade penal corre por conta de Diva, que não pode ser punida como co-autora, por ser menor e dela não partiu o móvel do crime – a faca.
Robert conclama a sociedade e ao corpo de jurados, que banido de Teresópolis, vejam suas declarações na polícia e em juízo o que declarou, visando condenar o réu, ser ele um homem miserável, não dava conforto à família, a deixava abandonada à própria sorte, sem comida e sustento necessário. Comprava 250 gramas de arroz, feijão ou açúcar, carne uma vez no máximo por mês, a vítima corroa em socorro da família. Se isso fora verdade ele quebrara o sigilo do freguês, não merecia mais confiança dos compradores do empório, pois faria no futuro com qualquer um dos senhores.
Mas o raciocínio inverso pode ser usado, o brio do réu, comprava o que podia, com o recurso que dispunha, com isso evitava pedir favores à vítima ou seu irmão. Disse Robert, forçando a argumentação, eu também, como muitos dos aqui presentes guardaram o mesmo comportamento no início da vida, já passei privações para não ficar devendo favores a terceiros.
Suas últimas palavras foram de homenagem à menina de 11 anos, que num julgamento a que ocorrera toda a sociedade local, teve a coragem e honradamente defendeu o seu pai. Conclui sua participação dizendo Teresópolis já está quase toda a dormir, são cerca de 4 horas da madrugada, será que os senhores jurados têm condições de colocar a cabeça no travesseiro e dormir tranqüilo, terei eu dado condições com minhas palavras para que dêem um veredicto sereno e justo, ou a responsabilidade é minha de não ter conseguido lhes transmitir as condições necessárias à decisão. Os senhores não estão somente decidindo a sorte desse homem que ali está sentado, mas principalmente o destino de cinco crianças, que deixaram de ter mãe, por ter sido destituída do pátrio poder, serão encaminhadas para um orfanato ou dependência de menores. A sorte delas, com o gesto de mão aberto, contando de 1 a 5, está lançada. Aguardo a absolvição do réu, por ser da mais lhana Justiça.
O RÉU FOI ABSOLVIDO POR SETE (7) VOTOS E, POR ISSO, IMEDIATAMENTE SOLTO. ROBERT ÀS 5,30 hs DA MADRUGADA SAI CARREGADO NOS BRAÇOS DO POVO,
E QUEM ESTAVA DO LADO DE FORA DO FORUM PARA ABRAÇÁ-LO, DIVA, QUE DALI NÃO ARREDARA O PÉ ATÉ O FINAL DO JULGAMENTO
O juiz Steel, considerado de relevante valor jurídico, esta-
va em exercício numa comarca tida como aristocrática, em face daqueles que lá habitavam ou decorrente do turismo permanente.Fizera uma carreira brilhante: delegado de polícia da ordem político-social, deputado e finalmente, após concurso público, Juiz de Direito. Invulgar, graças à delicadeza no trato.
Comentavam, que fora nomeado inicialmente para uma comarca no fim do Estado, lugar paupérrimo, sem a menor condição de habitabilidade. Foi de carro com dois amigos para entrar em exercício, cerca de 28 horas de viagem em péssima estrada, em lá chegando não havia hotel, apenas uma pensão para vendedor-viajante e sem qualquer lugar para alimentação, apenas armazéns e botequins. Os três, mesmo sem dormir, foram logo para o fórum, de um só cartório para atender a toda extensão judicial. O escrivão único, ao se apresentar ao meritíssimo logo lhe disse: há uma infinidade de processos, todos com prazos vencidos, uma vez que aqui não fica Juiz nenhum, vou levar para sua mesa os que estão na “escrivania”. Juntou-se com os dois amigos e despachou e sentenciou cerca de 300 processos.
Sem ter a onde comer e tomar banho, o Juiz regressou à Capital e dois dias depois entregou o cargo ao Presidente do Tribunal, sendo então removido para comarca nobre.
Estava ele no fórum quando avistou Robert, ex-colega e companheiro de lides forenses, disse-lhe estou com um problema lá em Teresópolis, já convidei e depois designei defensores dativos vários advogados que lá militam para defender um réu, pobre acusado de assassinar um sócio do maior empório da localidade e todos declinaram da nomeação, sob diferentes pretextos. O auxiliar de acusação é o grande criminalista do Rio de Janeiro, Dr. Romeiro Neto, que foi Secretário de Justiça do Estado e advogado do famoso caso do Ten.Bandeira, chamado “Crime do Sacopã”. Semanalmente atravessa uma petição requerendo o andamento do processo crime. Robert, você poderia ir lá fazer esse Júri, marcarei para o dia que lhe convier e sua responsabilidade profissional não será abalada, não só pela pessoa do réu, como em razão da repercussão do caso perante a sociedade local.
Robert lhe disse, Steel, Vossa Excelência, é uma pessoa a quem não se pode negar nada, aceito o desafio de enfrentar o Promotor e o Criminalista contratado por um “rio de honorários”.
Uma semana depois Robert chegava a Teresópolis para examinar os autos no Cartório. Não havia uma única prova em favor do réu, nem a Defesa Prévia e as Razões Finais, quando são arroladas as testemunhas que devem depor no júri. O réu estava completamente desamparado no corpo do processo. Havia apenas depoimentos de acusação, o laudo cadavérico e exames no local da macabra cena.
Robert ainda sem se avistar com o Juiz,se dirigiu à delegacia, a fim de conversar com o acusado e saber detalhes. Perguntou ao acusado, quantos filhos você tem? Ele respondeu, cinco, sim senhor, a mais velha com 10 para
11 ano e o menor com ano e meio. Preocupado indagou: quanto o senhor vai cobrar? Robert lhe respondeu: você tem dinheiro para pagar-me? Não, seu doutor, sou carpinteiro de obra, já estou preso a dois anos e minha filha Diva vendeu tudo que podia para trazer comida para mim e sustentar os irmãos. Robert lhe informou, nada, eu vou ser nomeado pelo
Meritíssimo Juiz; quando posso falar com Diva e a onde?
Pedro era o nome do réu disse: agora Dr. ela só vem amanhã trazer meu almoço e roupas limpas. Tudo é feito por ela, inclusive ajudando minha tia a cuidar dos irmãos.
Vamos então acertar que ela esteja aqui às 8 horas da manhã no dia do julgamento, eu preciso conversar com Diva, isso é assunto nosso, eu, você e ela, não pode ser comentado com ninguém. Ninguém entendeu. Será a sua defesa no júri, quero absoluto segredo, nem aqui, os presos e o pessoal da delegacia podem ficar sabendo. Vou recomendá-lo ao Dr. Godofredo, ele é meu amigo e delegado confiável.
Voltando ao fórum Robert retirou os autos do Cartório e foi ao gabinete de Dr. Stell, acertou a data do júri, fez a defesa prévia e com data posterior as razões finais, arrolando as mesmas testemunhas que prestaram depoimento nas audiên-cias de instrução, acrescentando o nome de Diva para prestar informações, que por ser menor não poderia funcionar na qualidade de testemunha. As duas peças oferecidas pela defesa pouco ou nada diziam, apenas negava a responsabili-
dade penal do réu
O julgamento foi marcado para 20 dias depois, data que o emérito criminalista estava disponível, para às 9 horas da manhã.
Robert por não dispor de carro contou com a boa vontade de seu pai, levando em sua companhia um colega de escritório, Dr.Tinoco. Antes de começar a sessão esteve em Cartório para contrariar o libelo acusatório, sem deixar transparecer a tese da defesa.
Cedo, cerca das 8,30 hs esteve na delegacia, orientando o réu do que deveria falar no interrogatório, em parte diferente dos depoimentos prestados na polícia e em juízo, pricipalmente que nunca desconfiara da fidelidade da mulher, nem tão pouco do negociante estar tendo relações amorosas com ela.
Diria mais, na noite do crime, o negociante estava em sua casa, armado com um revolver calibre 38, exibindo-lhe. Que a arma fora apreendida pela polícia naquela oportunidade.
Achou estranha sua mulher, mesmo estando em casa, estar vestida luxuosamente, o que levou a lhe perguntar se ia sair, respondendo que não, apenas aguardava a visita do negociante. Diva, sua filha, estava presente e os outros quatro filhos permaneciam desde dás 4 hs, da tarde na casa dos avós paternos. Diva recebera a incumbência da mãe para passar um café, que seria servido ao negociante.
Já no adiantado da noite, sua mulher lhe alertou que estavam fazendo barulho no galinheiro, e ele convidou o negociante para irem juntos, porque estava armado, passou pela cozinha e apanhou uma faca de mesa. Pressentiu que o negociante o alvejaria com o revolver, bem como a inquietação da mulher, não sabendo porque ela os acompanhou. As ações e cena do crime, você declara: que não se recorda, procurou esquecer com o decorrer do tempo.
Finalmente, Robert recomendou pode ir se preparar com a roupa limpa que Diva trouxe, pois eu vou ficar conversando com ela.
A conversa foi simples e objetiva, disse à Diva: “Conte tudo que você viu e ouviu em sua casa, quando estavam presentes sua mãe e o negociante. Não olhe para mim, que estarei na tribuna. Vão lhe perguntar, por intermédio do Juiz, que estará à sua frente, na mesa principal, todo vestido de roupa preta, seu pai tem advogado, você dirá: Não sei não. Você conhece o advogado de seu pai ? Diga, não conheço não. O advogado de seu pai está aqui? Não sei, eu não conheço ele. O que vai dizer é de sua cabeça, tudo que viu.
Antes de começar o júri, o auxiliar de acusação, Dr. Romeiro Neto esteve no Cartório conversando com o escrivão, o porteiro do auditório e dois oficiais de justiça, queria saber quais os jurados que ele teria de recusar por serem simpáticos a defesa do réu. Matreiro, senhor de um potencial de voz extraordinário, ao encontrar com Robert lhe perguntou para que as pessoas presentes pudessem ouvir: Como você vai conseguir explicar as 32 facadas, segundo o laudo cadavérico da vítima.
Robert fazia transparecer extremada calma, não deu grande importância à provocação do brilhante criminalista, respondendo, na hora sempre aparece uma argumentação convincente.. E, o advogado continuou: Creio que não terá grande eloqüência, pois sua responsabilidade profissional é mínima, mesmo que o réu seja condenado não repercutirá na sua brilhante carreira, não é?
Robert retrucou, não sei se o senhor já funcionou, ainda que no princípio da atividade de criminalista, em um júri como advogado nomeado?
O salão de julgamento estava lotado, muitas pessoas que não conseguiram lugar se mantinham nas laterais, por trás da últimas cadeiras e algumas no corredor central, impediam a visão dos que se encontravam sentados. Em si, a afluência não ocorria em razão do crime, mas principalmente em face da presença do grande criminalista João Romeiro Neto.
A Emissora Continental, que se especializara neste tipo de reportagem, já transmitia do local e muitos interessados ouviam nos rádios instalados no comércio da vizinhança e acompanhavam atentamente e trocavam comentários.
Robert tinha dois problemas a solucionar, um ele já havia contornado era o sócio da vítima, que além de contratar o célebre criminalista, prestara um depoimento contundente na instrução do processo, esse ele arrolara para depor no plenário e por isso ficara numa sala isolada, sem estar presente aos momentos importantes do julgamento. O outro era o Vice-Prefeito, advogado muito conhecido e solicitado, que não atendera a designação do Juiz para defender o réu. O tal de Dr. Oswaldinho não largava o criminalista, o acompanhando a todos os lugares, tecendo comentários em voz alta sobre o processo, enaltecendo-o e com “louvaminhas” que deixavam transparecer que ele não deixaria a defesa, nem falar. Robert logo de início, minutos depois que o réu já se encontrava sentado na cadeira destinada ao acusado, escoltado por dois soldados, pediu a palavra, surpreendentemente, e requereu que fosse nomeado um curador para assistir Diva, pelo fato de ser menor e indicava o Dr. Oswaldo para exercer aquela função judicial. Ele não pode negar, de público e até politicamente seria imprudente. Dessa forma impediu o livre trânsito do vice-prefeito e suas manifestações.
A sessão se iniciara na hora marcada, foram sorteado os sete jurados que funcionariam no julgamento, o Promotor impugnara três e o auxiliar de acusação outros três, Robert não impugnara ninguém. O Juiz depois de pequena preleção, avisou inclusive que não poderia haver qualquer manifestação das pessoas presentes, começou a fazer o interrogatório do réu.
O Promotor fez quatro perguntas a ele, sendo uma indeferida pelo Juiz, sob o fundamento que teria de ser apenas o constante nos autos.
O Delegado Godofredo chama Robert ao lado da tribuna e lhe entrega um papel, era uma certidão, que comprova ser o Promotor Público sócio cotista da firma de que eram sócios a vítima e seu irmão, arrolado como testemunha, que se encontra em sala reservada. Robert comentou, ligeiramente com o Delegado, eu já sabia, vou impugnar sua participação e argumentar que todos os atos por ele praticados estão nulos de pleno direito.
Não foi preciso, o Promotor percebera a iniciativa de Godofredo e pede a palavra pela ordem, concedida, declara ao Juiz a esdrúxula posição e apresenta uma certidão comprovando a rescisão contratual. O Juiz Stell pergunta à defesa se tem alguma impugnação a fazer. Robert tranqüilamente responde que comentaria o posicionamento do Ministério Público, sem requerer a nulidade do processo, porque não gostaria que o réu passasse mais tempo preso. Mas o comportamento do Promotor ficou muito a desejar, em face da evidente suspeição. Mais ainda, no momento oportuno a defesa se valerá daquele procedimento para impugnar uma série de abuso que ele praticara.
Ouviu-se nitidamente quando o auxiliar de acusação comentou, eu lhe adverti que Robert era um advogado ladino e usaria dessa anomalia processual para impugnar os atos processuais já praticados.
Os jurados se manifestaram com sorrisos irônicos e tentaram se comunicar, sendo interrompidos e advertidos pelo Juiz.
As testemunhas foram se contradizendo, apesar das intervenções dos acusadores, todos os depoimentos prestados na polícia e em juízo já não se mostravam relevantes ao libelo acusatório. Robert começava a avançada para a grande vitória.
= FINALMENTE, DIVA ENTRA PARA DEPOR =.
A testemunha, irmão do réu, sai da sala reservada e entra no salão de julgamento, Robert aproveita para se dirigir aos jurados e aos assistentes, este é um homem que teria de ser banido de Teresópolis, porque fez por desmerecer a confiança de sua população.
A presença de Diva aumentara a expectativa entre todos os presentes, principalmente dos jurados. Que esclarecimento poderia prestar uma menina de 11 anos, relativamente forte, vestida de forma simples, com um sapatinho desgastado, mas tranqüila, que nem parecia estar num ambiente curioso para ela. O Juiz, depois de perguntar seu nome e qualificá-la moderadamente, solicita que o Curador Dr. Oswaldo permaneça próximo a ela, dando-lhe ciência de quem se tratava e o que fazia ali.
Diva interfere pela primeira vez. Eu conheço ele, é o Dr. Oswaldo. Isso obriga o Juiz a perguntar, você tem qualquer coisa contra o Dr. Oswaldo. Diva responde, não, eu sei é que ele quer ser o Prefeito daqui e não quis defender papai.
Foi uma risada geral, até o próprio Juiz riu e disse: posso continuar. Continuar o que? Perguntou Diva. O Juiz para tornar mais amena a informação que ela prestaria, diz: “nossa conversa”. Pode, responde Diva e pergunta: eu não posso falar nada? Todos riram, o senhor ficou zangado.
O Promotor Público se dirige ao Juiz, solicitando que Diva informasse se ela gostava da mãe e como a mesma lhe tratava e os demais filhos?
O Curador interfere dizendo que era muito subjetiva a pergunta, constrangeria a informante, que se veria obrigada a falar sobre sua mãe.
O Juiz indeferiu a impugnação do Curador, permitindo que Diva informasse à conceituação que tinha sobre sua mãe.
Diva respondeu: não ligava muito não, eu é que cuido dos meus irmãos menores, dou banho, visto, comida e os coloco para dormir, quando papai não estava em casa. Ele sim é que fazia tudo; mamãe só queria ficar na rua ou no armazém do moço que brigou com papai.
O silêncio dominou o ambiente. Um jurado, inadvertidamente, levantou-se e quis falar, sendo advertido pelo Juiz, que ele não poderia se manifestar. O Juiz explicou-lhe, quando o senhor estiver na sala secreta decidindo, estando em dúvida quanto algum aspecto, poderá pedir esclarecimento.
O Promotor prosseguiu: você esteve com o advogado de seu pai?
Diva não demorou muito em responder, ele não conseguiu advogado, até Dr. Oswaldinho se negou defendê-lo.
O Juiz Steel explicou a ela, agora ele já tem.
Diva lhe disse é bom.
O Dr, Romeiro falou baixo ao Promotor: É preferível parar por aqui, essa menina pode prejudicar a condenação do réu.
Mas, o Promotor não se conformou e voltou a se dirigir ao Juiz, perguntando: Aqui nesse salão você conhece ou viu alguém conversando com seu pai, hoje pela manhã.
Diva respondeu: Vi, o Dr. Godofredo, quando eu fui levar a roupa para ele vir para aqui.
Os assistentes voltaram a rir, Diva já dominava totalmente o julgamento.
O Promotor insiste, não é isso que eu estou perguntando, eu falo de outra pessoa, que tenha conversado com seu pai?
Dr. Oswaldinho, Curador da menor, pede a palavra e para impugnar a pertinácia do Promotor, alegando que ele estava querendo induzi-la a uma resposta, que desconhecia.
O Juiz Stell, calmamente, não indefere, mas resolve modificar a pergunta, dirigindo-se à Diva: Você pode ficar em pé, olhe bem para todos os lados e veja se alguma das pessoas que aqui estão, esteve com seu pai pela manhã.
Diva obedeceu, olhou para todos os lados e disse, tem sim, o investigador Geremias, conversou com papai.
Dada a palavra a Robert, ele fica em pé na Tribuna e diz: Diva eu é que sou o advogado de seu pai.
Diva, incontinente, lhe diz: Mas ele não tem dinheiro para lhe pagar, nós ficamos mais pobres do que éramos.
Robert com a palavra, novamente, lhe diz: Você não precisa se preocupar, isso não é assunto para uma criança, alem do mais menina.
Nesta altura já algumas senhoras presentes começam a chorar alto e soluçar. O Juiz Stell perde a calma e diz: tenho advertido aos presentes que não podem se manifestar, esse tipo de comportamento não é próprio numa sessão de júri, quem quiser chorar, deixe o salão e dê expansão aos seus sentimentos lá fora.
Voltando a palavra a Robert, ele pergunta à Diva: Você viu alguma vez o negociante em sua casa na ausência de se pai?
Dr. Oswaldinho pede a palavra e requer ao Juiz que seja indeferida a pergunta, porque poderia a informante falar sobre o comportamento da própria mãe. O Juiz recomenda que Robert modifique a inquirição. Ele acata, formulando à Diva a
seguinte pergunta: Quando seu pai não estava em casa, o negociante ia lá ?
Diva esclarece, isso era o que acontecia sempre. Minha mãe nos trancava no quarto para brincar e fica com ele no quarto dela.
Robert prossegue: Você via se eles estavam vestidos?
Diva volta a falar, via sim estavam sempre sem roupas e deitados na cama dela e de papai. Passado algum tempo ele ia embora.
Robert continua: Você contava isso ao seu pai quando ele chegava do trabalho?
Diva explica: Não, tinha vergonha e pensava que papai brigaria com mamãe. Eu falava apenas com os olhos para que ele entendesse.
O Juiz Stell se dirige a Diva: “O que é falar com os olhos”?
Diva esclarece: É o mesmo que falar com a boca, olhava para ele triste dizendo que não queria ficar mais em casa e os olhos começavam a chorar, como a dizer o senhor precisa tomar uma providência nessa situação. Ele, meu pai, me abraça e meus irmãos, dizendo vou tirá-los daqui e levar para casa de vovó ou da titia, irmã dele.
Robert diz que será a última pergunta e se dirige a Diva: Seu pai fazendo isso, sua mãe não se importava, deixaria.
Diva, uma vez mais, destrói as provas de acusação. Não, era bem o que queria para ficar sozinha com o negociante, que lhe dava muitos presentes. Acrescenta: Esperava todos os dias papai no portão e perguntava, também com os olhos, quando nós vamos embora, não suportava ver todo dia a mesma coisa!
= A DEFESA DO RÉU =
Robert estava tranqüilo, embora se notasse certa agitação. Suas primeiras palavras foram ler o auto de apreensão das armas, diferente do que falava a acusação, existiam duas peças no processo, uma logo no início, relacionado ao revolver da vítima e outra nas últimas folhas, uma certidão do Cartório que dizia, ter sido deixa no balcão uma faca, descrevendo-a, envolta num bilhete dizendo ser objeto do crime. O Promotor interrompe, dirige-se ao Juiz alegando ser uma peça estranha, que ele não conhecia, nem vista fora aberta ao Ministério Público para falar.
O juiz Stelle pergunta ao escrivão como ele explicava aquela certidão. O escrivão disse a Comarca estava sem Juiz há mais de 30 dias, eu não tinha competência, como não tenho, para abrir vista ao Ministério Público, não podia ficar com aquele material sem que certificasse a origem, lavrei a certidão e encaminhei ao Porteiro do Auditório para que permanecesse com a faca, até a chegada do Juiz a ser nomeado.
Foi um “reboliço” no salão de julgamento, o Delegado Godofredo comenta em voz alta, o Dr. Promotor não trabalha, está sempre ausente, chega aqui no fórum às 14 horas e sai às 15, como pode acompanhar qualquer processo. Robert escuta, aguarda um pouco.
O Promotor vai e repete, como V. Exª descobriu isso no processo, parece-me esquisito.
Robert não espera ele tentar continuar com a suspeição, e diz: é público e notório em Teresópolis, todos sabem que V.Exª pouco ou nada trabalha, passa no fórum apenas uma hora no máximo e sai ligeiro dirigindo-se ao Empório da vítima e da testemunha, irmão dele. V. Exª recebe pelos cofres públicos para dar expediente aqui no fórum, mas era, pelo menos, até a data da rescisão contratual, mais preocupado com o negócio particular.
Os dois se desentendem, violentamente, necessitando a intervenção não só do Juiz como do criminalista João Romeiro Netto.
Robert requer ao Juiz que o Porteiro dos Auditórios traga à sessão a faca usada pelo réu. Fica perplexo, a faca pouco ou nada serviria à argumentação de defesa, de tamanho avantajado, parecia mais um facão. Quando vê, corre ao encontro do Porteiro e esconde o punho, deixando parte da lamina de fora, dentro da manga de seu paletó. Ao chegar à tribuna, proclama aos brados, está dado o passe de mágica de que V. Exª tanto falou, Dr. Promotor. Nova agitação, o Promotor se sente ofendido porque, como Robert falara mágica só num circo, ali não era circo, quando a faca surgisse: - um faria o papel de palhaço.
Robert reinicia, falando da irresponsabilidade penal. Comenta: que ao subir a serra, o colega Tinoco lhe informara que comentando com um emérito médico psiquiatra, seu amigo, esse lhe informara, pela descrição que fizera do réu e como o crime ocorrera, tudo levava a crer se tratar de um doente portador de epilepsia, distúrbio psíquico, causador de desequilíbrio de consciência. Tenho aqui um TRATADO DE PSIQUIATRIA FORENSE, de Pierre Simon, que aprofunda os conhecimentos sobre doentes e a irresponsabilidade penal por eles
ocasionadas.
Como Dr. Tinoco não vira o compêndio, nem sabia o nome do autor, resolveu anotar numa papeleta.
Robert prossegue na sua argumentação, está aqui nesse tratado, o doente epilético não tem domínio sobre si mesmo, há um descontrole geral no seu sistema nervoso, e ele depois de ter dado a primeira facada não sabe o número de consecutivas que se sucederam. Aqui, Senhores Jurados, existe um aspecto importante de ser lembrado, a vítima estava com um poder maior que o réu, um revolver 38, porque não o usou? E o réu também preferiu intimidar a vítima apenas com a faca, evitando atingi-lo com o seu revolver, logo não tinha intenção de lhe tirar a vida. Mas, Senhores Jurados, eu preferi sustentar outro aspecto de
Direito que ocorreu, por que, demoraria muito para o réu o reconhecimento da irresponsabilidade penal, em razão da perícia que teria de ser submetido, inclusive não sei se aqui em Teresópolis teria especializado nesse exame, acreditando que somente no Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro seria possível. Isso retardaria e o réu ficaria mais tempo preso do que deveria.
= A TESE DA DEFESA – COAÇÃO IRRESISTÍVEL =
Os dois acusadores ouviram calados, sem apartear, nem objetar, a declaração de Robert, que completou sua defesa está concretizada na COAÇÃO IRRESISTÍVEL praticada exatamente pela menor Diva, que aqui com a singeleza de suas palavras, próprias de uma menor com 11 anos de idade, sem usar de subterfúgios ou locupletar-se, com ingênuas palavras fez ver ao Corpo de Jurados que ela com os olhos denunciava ao pai o procedimento da mãe com a vítima.
O Auxiliar de acusação aparteia, dizendo: Como explicar falar com os olhos, eu conheço e sei dos mudos que falam com os gestos, nunca ouvi falar com os olhos.
Robert esclarece foi à maneira que Diva encontrou para denunciar a infidelidade da mãe, talvez não pudesse ser mais explicita, envergonhada ou a mãe estaria presente.
O Promotor pede o Tratado de que mencionou a defesa para ler e consultar.
Robert lhe diz, o Tratado está aqui na Tribuna para ser usada pela defesa e não para ser emprestado. Vossa Excelência recorra à biblioteca municipal se quiser ler e consultá-lo.
O representante do Ministério Público pergunta à defesa como é mesmo o nome do autor do Tratado?
Não havia Tratado nenhum, fora uma tirada de Robert para impressionar os jurados, já que ambos da acusação não conheciam, por isso não se lembrava mais o nome do pseudo autor, levando o Promotor a pedir que ao menos repetisse o nome do escritor da obra. O Dr. Tinoco que anotara passa a
Robert, e ele de forma desassombrada, olhando para um dos livros que estava na tribuna, diz com eloqüente voz:- Pierre Simon. Os jurados só faltaram aplaudir, todavia, não deixaram de dar uma risadinha irônica.
A defesa inicia sua sustentação, explicando o que o Código Penal prevê como excludente de ilicitude penal, considerando não haver crime quando o fato é cometido sob coação irresistível. Robert se demora, sem logo divulgar como ocorreu a coação irresistível, principal causativa do crime, causando impacto em todos os presentes.
Robert faz compreender ao Corpo de Jurados o que é coação e como ela ocorre, exemplificando, a fim de tornar mais entendível. Depois o que é denominada irresistível, dizendo é quando ela seduz, tornando-se invencível, chegando à fatalidade. Foi exatamente o que Diva praticou, falando com os olhos, de forma monossilábica, que uma providência seu pai, o réu, teria de tomar, não poderia perdurar aquele desrespeito dentro do lar, na presença dos filhos e toda vizinhança criticando. Seus meigos olhinhos seduziram a reação do réu, de tal maneira que impedia deixar sem reação, dava-se aí a invencibilidade que praticara. Simplesmente, quando uma criança pede um brinquedo, uma simples bala, obtém, graças a confiança que desperta na pessoa que a ouve, mais cândida, porém guarda idêntica expressão no olhar.
Diva coagiu primeiro com a denúncia na expressão olhiaguda, penetrante, impossível de não ser observada e compreendida, conseguindo ser irresistível, porque dela provinha, levando o réu adotar um procedimento e o fez como podia e sabia, não poderia usar o revolver do réu, que o mantinha em seu poder e também não sabia usá-lo.
A responsabilidade penal corre por conta de Diva, que não pode ser punida como co-autora, por ser menor e dela não partiu o móvel do crime – a faca.
Robert conclama a sociedade e ao corpo de jurados, que banido de Teresópolis, vejam suas declarações na polícia e em juízo o que declarou, visando condenar o réu, ser ele um homem miserável, não dava conforto à família, a deixava abandonada à própria sorte, sem comida e sustento necessário. Comprava 250 gramas de arroz, feijão ou açúcar, carne uma vez no máximo por mês, a vítima corroa em socorro da família. Se isso fora verdade ele quebrara o sigilo do freguês, não merecia mais confiança dos compradores do empório, pois faria no futuro com qualquer um dos senhores.
Mas o raciocínio inverso pode ser usado, o brio do réu, comprava o que podia, com o recurso que dispunha, com isso evitava pedir favores à vítima ou seu irmão. Disse Robert, forçando a argumentação, eu também, como muitos dos aqui presentes guardaram o mesmo comportamento no início da vida, já passei privações para não ficar devendo favores a terceiros.
Suas últimas palavras foram de homenagem à menina de 11 anos, que num julgamento a que ocorrera toda a sociedade local, teve a coragem e honradamente defendeu o seu pai. Conclui sua participação dizendo Teresópolis já está quase toda a dormir, são cerca de 4 horas da madrugada, será que os senhores jurados têm condições de colocar a cabeça no travesseiro e dormir tranqüilo, terei eu dado condições com minhas palavras para que dêem um veredicto sereno e justo, ou a responsabilidade é minha de não ter conseguido lhes transmitir as condições necessárias à decisão. Os senhores não estão somente decidindo a sorte desse homem que ali está sentado, mas principalmente o destino de cinco crianças, que deixaram de ter mãe, por ter sido destituída do pátrio poder, serão encaminhadas para um orfanato ou dependência de menores. A sorte delas, com o gesto de mão aberto, contando de 1 a 5, está lançada. Aguardo a absolvição do réu, por ser da mais lhana Justiça.
O RÉU FOI ABSOLVIDO POR SETE (7) VOTOS E, POR ISSO, IMEDIATAMENTE SOLTO. ROBERT ÀS 5,30 hs DA MADRUGADA SAI CARREGADO NOS BRAÇOS DO POVO,
E QUEM ESTAVA DO LADO DE FORA DO FORUM PARA ABRAÇÁ-LO, DIVA, QUE DALI NÃO ARREDARA O PÉ ATÉ O FINAL DO JULGAMENTO