O profissional do direito e a medicina legal
Lembrei-me de uma das inesquecíveis lições do grande legista Hélio Gomes, perenizadas no seu clássico livro Medicina Legal, obra da qual possuo a vigésima sexta edição (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989). E também das aulas de Medicina Legal da graduação em Direito, na querida Universidade Federal do Pará, com o médico Roberto Cavalcante, aulas que se vão distanciando, dia após dia, levadas caprichosamente pelas brumas do tempo. Ah, o tempo! Que se vai, mas nos move e, não raramente, nos comove!
Como e por que me lembrei? Ah, sim! O irmão Idimar Leal de Pontes, da Igreja Presbiteriana do Brasil, sugeriu no Reencontro de Amigos, um grupo nosso de WhatsApp, que eu poderia dar um esclarecimento sobre AVC isquêmico, dado que um amigo está hospitalizado com, dentre outras hipóteses de diagnóstico, AVC isquêmico. Claro, amei a deixa. E, aproveitando-a, expliquei o que, em síntese e grosso modo, são isquemia, hemorragia e, por conseguinte, o acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico e o AVC hemorrágico.
Estudei Medicina o suficiente para saber que não sei Medicina. A propósito, às vezes, ao ter que me ausentar ligeiramente do ambiente de trabalho, gosto de brincar, dizendo: “Se alguém chegar com a sangria desatada, digam que o doutor Valdinar não é médico.” Também, de vez em quando, relembro minha resposta à colega que, brincando, mandou-me retirar do recinto, porque só havia mulheres e eu não era ginecologista. Respondi, também brincando: “Não sou ginecologista, mas estudei Medicina Legal. Posso examinar mulher bandida.”
Brincadeiras à parte, Hélio Gomes deixou escrito em sua obra que “o jurista deve saber tudo que lhe seja possível saber em matéria de Medicina Legal”. E segue explicando o que nós, profissionais do Direito, temos obrigação de saber, não só da Medicina Legal positiva, mas também da Medicina Legal constituenda. Infelizmente, com muita tristeza o digo, a lição do insuperável e inesquecível mestre não é aprendida por muitos juízes, advogados, delegados de polícia e membros do Ministério Público, quanto mais praticada.
À guisa de remate, não dá para falar disso sem relembrar que, dentre os tantos casos vivenciados, o grande professor Hélio Gomes registrou, com certa pitada de ironia, mas evidentemente também com tristeza, o caso bem jocoso de um delegado de polícia. A perícia da camisa encontrada no quarto de um suicida comprovara a suspeita: a mancha que a maculava era mesmo de esperma. O delegado, contudo, enviou novo ofício. Queria saber se o esperma encontrado era de homem ou de mulher.