Ensaio sobre a virtude da coerência
No mais profundo, a virtude humana não consiste em ser um bloco de coerência, mas sim manter as contradições sob controle.
Quando mais jovem conheci uma pessoa que tinha dificuldade de lidar com a contradição de ser sinceramente religiosa e ao mesmo tempo, romanticamente incurável. Se apaixonava com facilidade tamanha, que acabou por ser rotulada como promíscua. Consequência disso: acovardou-se e abandonou a fé.
Penso que quando a Jesus afirma "sêde perfeitos como vosso Pai é perfeito", nenhuma intenção tinha de causar um tormento.
Aliás, se assim não fosse, Deus jamais teria agido na vida de Salomão ou Davi - homens perfeitos em estado ativo de contradição.
Quem vive a vida para apontar a contradição alheia é hipócrita ou maledicente, e ambos estão mais longe de Deus do que os demais.
Quando o mesmo Jesus pede para que cada um carregue a sua cruz, ele sentencia que cada um deve arcar com seus pecados e as suas responsabilidades. Quem atormenta o próximo com exigências de perfeição absoluta já jogou sua cruz fora, ou pior, jogou o peso da sua para o outro, por meio da injustiça.
Sofremos todos com as contradições que não vencemos e, é a repetição desse fracasso que nos leva a invocar Deus incessantemente, porque só quando se percebe pequeno e fraco, existe a possibilidade de se conhecer a grandeza e força do Divino.
Não se pode pedir um milagre só para tirar uma dúvida, mas pode-se pedir vários quando se precisa deles desesperadamente e, é nesse exato momento, onde você está mais empenhado em invocar Deus do que resolver seus pequenos deslizes diários, que Ele começa a se revelar, dizendo: "Não olheis para os nossos pecados, mas para a fé que anima a Vossa Igreja."
No que há de mais simples, a virtude se apresenta no consciência dos limites...