-BOM DIA, PRINCESA!
Naquela manhã a cena da hora corria no lugar comum.
O palco, um semáforo fechado- era só mais um dos das tantas esquinas povoadas!- parado há décadas, dentre a correria daquela luta inglória, onde a fila em crescente dos "empresários das ruas" assombra a razão e turbina os discursos da euforia alienada.
Todavia, por todas aquelas mesmas vias de sempre, eu assistia a fluência de palco da arte de encenar a vida nua e crua, que agora se mostrava algo bem diferente.
Ali, a luta pela sobrevivência estava repaginada, pois se percebia o capricho do contrarregra "tempo" a mobiliar o palco com alguns recursos da revolução informática.
Ato continuo, alguém de plataforma midiática falava em "ressignificação" do mundo das tantas "comunidades"...agora montadas nas calçadas.
Sim, até as dores se "ressignificam" na palavra, ainda que seja apenas na marra midiática, porque é preciso maquiar a vida real do outro até para se "ganhar a própria vida".
Enquanto eu pensava e observava a cena, um homem fazia o antigo e suado malabarismo dentre os automóveis para conseguir o "marketing" do seu produto de venda, então, deixava sobre os retrovisores um pacote com um papelzinho escrito assim:" 7 panos por 10 real".
Há pouco eram dez paninhos por dez reais. Trinta por cento das perdas já são repostas nas ruas...a céu aberto.
Tratava-se dum bom produto.
Sei disso porque já o comprei para a faxina diária da vida, principalmente nessa época de pós guerra pandêmica, onde as sujeiras grudam em tudo para sempre e é preciso paninhos leves para se tentar lustrar bem sem cansar os músculos dos braços e dos corações.
Aberto o sinal, acelerei e ainda me houve tempo para ler: PIX NÚMERO (11) 9XXYYZZWW.
A empresa do semáforo crescia e já estava modernizada. Ao menos um alívio para os palanques das urnas.
Todavia haveria algo mais ali na calçada, voando pelos meus olhos, logo abaixo do número do PIX, o que verdadeiramente inspiraria em surrealidade a minha presente crônica.
Tratava-se duma barraquinha infantil, aquela do "logo" do parque multinacional de sonhos- armada a esmo da frialdade das calçadas e que abrigava uma menina de no máximo cinco anos a me mandar um sorriso e um "tchauzinho".
Com certeza ela leu o meu olhar estupefato. Vez ou outra o homem vendedor checava se tudo estava bem com a menininha.
No teto da sua barraca novinha, cor-de- rosa forte, se lia: "MAGIC PRINCESS".
Que simbolismo indescritível...aquilo tudo.
Quero relatar que instantaneamente me voltei a dois programas televisivos da minha infância que ,nunca soube explicar por que, tão precocemente, já mexiam com a minha alma e me faziam repudiar o quanto as misérias do Homem alimentam sonhos impossíveis e geram "bullyings" que nada mais são do que meio de vida lucrativo para quem os explora.
-Boa noite Cinderela! era um deles. Eu até acreditava! Toda criança sonha em poder ser. Mas aquilo me incomodava duma maneira...
O outro era também um programa de auditório, onde uma buzina estridente e "sarrista" soava nos ouvidos dos calouros que sonhavam em ganhar a vida soltando suas vozes incautas e desafinadas. Sentia extremo dó daquilo tudo. Eu ainda não sabia o que era índice do IBOPE.
Termino expondo meu olhar sobre o todo do agora: Nada mudou muito. A pandemia apenas turbinou as mesmas dores, as mesmas explorações da desgraça alheia fomentada no tempo.
Pelos semáforos de hoje seguem desprezadas e caladas as vozes dentre as buzinas dos automóveis que não têm olhos; seguem os devaneios armados dentro das barracas, tantas e crescentes, que amparam sonhos das cinderelas impossíveis, notoriamente já amputados dos seus desejos de, um dia quem sabe, magicamente se tornarem princesas deste palco de vida tão longe dos contos de fadas.
Quantos castelos nas areias...meu Deus...
Segui em frente repensando no termo "neurolinguístico" da reportagem "ressignificação",sim, não das coisas, nem das palavras...mas na URGENTE "ressignificação das vidas".
Mágica boa mesmo, seria se pudéssemos enviar via PIX o verdadeiro compromisso de resgatar a dignidade de vida às gerações, principalmente às das ruas.
Mas como? Se dentre nós, são TANTOS os príncipes que viraram sapos...