O doloroso dever
As notícias fúnebres de Pitangui, MG, anunciadas pelo alto-falante da matriz, e captadas
até nos arrabaldes da cidade, iniciavam-se após o estridente e petrificante toque instrumental da música Il Silenzio, que durava o tempo suficiente para toda a população largar seus afazeres e aguçar seus ouvidos para por todo o sentido no anúncio, invariavelmente iniciado dessa forma:
Nota de falecimento...(pequena pausa)...a família de ....cumpre o doloroso dever de participar a parentes e amigos o falecimento de...
E justamente na hora em que era declinado o nome...a lei de Murphy entrava em ação...era o ruído impertinente de uma motocicleta se aproximando, uma chamada de telefone, com o correspondente grito de todo mundo, uma sirene que apitava, um galo estridente a soltar seu agudo no quintal...e se perdia justamente o cerne essencial da notícia...
E a repetição do anúncio em nada facilitava o entendimento, ao contrário até, o agravava, pois se percebia claramente que o anunciante tropeçava ou mudava de tom na hora de declinar o nome do falecido, mesmo quando o identificava pelo apelido ou pela ligação com algum parente mais próximo...
Essa antiga e valiosa prática, no entanto, foi silenciada com a chegada da pandemia, que silenciou tudo. Ou quase, pois os propaladores da necessária macheza para se enfrentar a tal "gripezinha" não baixaram o facho, e tampouco a estridência.
Os anúncios fúnebres naturalmente não deixaram de ser veiculados, mas por meio das emissoras de rádio locais, ou dos sites eletrônicos das funerárias, mas o seu alcance catártico nem de longe se compara ao impacto produzido pelo alto-falante da matriz...