Eterna, única e inevitável
A vida acaba. É fato e também é clichê. Vive-se para morrer, e, na maioria das vezes, morre-se para viver. Eis outro fato, eis outro clichê. Esta mocinha pensativa, bonitinha, miudinha, vestidinho preto, andar de médico, vagarosa, que flutua sobre os escaldantes paralelepípedos da Cel. José Bezerra Montenegro em direção ao Campo Santo Quilombo dos Palmares, nesta manhã de Finados, parece não ignorar este fato universal: a vida acaba.
A julgar por seu luto e altivez, convenço-me de que ela sabe que também chegará sua vez de "fazer a grande viagem", como diz outro clichê. Sabe o destino inevitável que nos espera e talvez acredite que esteja longe. Indispensável que continue com essa impressão otimista, suportando a vida, em que pese seus mistérios.
Que continue engordando, ou emagrecendo, conforme a inflação; tendo aulas de Inglês Instrumental, se é de apreciar idiomas; tomando honestamente sua cerveja, se é de beber; se não, que se abstenha de refrigerantes, doces e outras guloseimas, que a ciência já comprovou serem danosos à saúde e aos diabéticos; no que tange à atividade física, caso seja fisiculturista, que se mantenha em natação, no asfalto ou em piscina; sobre religião, por meu ateísmo, me oponho a sugestões, mas suponho que lhe venha a calhar cristianismo ou judaísmo, conforme o espírito da ocasião.
No mais, tendo em vista que o processo da vida corre sempre em última instância, sem HC ou salvo conduto, seria interessante que procurasse afastar-se do noticiário diurno e principalmente noturno; evitar cafeína, casamento, desavença com carteiro; nas coisas do lar, manter sempre cama e sofá forrados, caso os tenha, naturalmente; nas coisas do coração, amar a si mesma sobre todos os antecedentes e consequentes; na mala, se não tem, seria interessante que comprasse ou ganhasse duas, uma para mode guardar as geralmente poucas alegrias da vida que porventura tenhamos; a outra, repleta de frustrações e malogros que inevitavelmente teremos, jogarmos ao mar, para que ele a purifique e a mantenha longe de más interpretações.
Iniciando o expediente, nesta manhã de Finados, esta mocinha, miudinha, bonitinha, vestidinho preto, andar de médico, com um boque de rosas vermelhas à mão esquerda, totalmente serena e altiva, flutua sobre os escaldantes paralelepípedos da Cel. José Bezerra Montenegro em direção ao Campo Santo Quilombo dos Palmares. Parece conhecer este fato universal, segundo o qual, originalidade mesmo só encontramos na morte: a eterna, única e inevitável.