Bylly e as meias de nylon azuis

Acorda às 6h30, faz o sinal da cruz, boceja não menos que três vezes, alonga-se durante quinze minutos; não satisfeita, volta a bocejar, a refazer o sinal da cruz, a dormir. Dorme 15 minutos e acorda atrasada para a missa dominical. Em incríveis cinco minutos, veste-se, toma uma garrafa de água aromatizada, escova os dentes, inclusive os caninos, e alimenta "ByllY", seu amigo de estimação.

Mas ByllY é exigente. Bylly quer carinho, ByllY quer brincar.

— Agora não, Bylly. Tô atrasada.

Bylly não entende como pode ser preterido por sermões e homilias. Bylly é tão instrutivo quanto qualquer sermão ou homilia. Sabe muito e em diversos idiomas. Sabe, por exemplo, que a altura ideal para derrubar uma torrada com manteiga e fazer com que ela caia com a manteiga para cima é 2,43 metros; que a goma de mascar mais antiga do mundo tem pelo menos 5 mil anos; que os camelos têm três pálpebras para poder proteger seus olhos da areia; que um cubo mágico tradicional tem (o impronunciável número de) 43.252.003.274.489.856.000 de possíveis combinações diferentes e que cada uma delas pode ser resolvida com 20 movimentos ou menos. Bylly sabe até traduzir para o dialeto local a expressão "neve more".

— Bylly, você viu minhas meias brancas???

Bylly baixa a cabeça, silencia. Bylly sabe muito, mas não sabe o esconderijo das meias brancas. Sabe perfeitamente o das meias de nylon azuis, que as brancas sumiram-se todas, possivelmente com destino às missas dominicais, por exemplo.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 31/10/2021
Reeditado em 31/10/2021
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