A palavra “boçal” seja como substantivo como adjetivo tem entre muitos sentidos, o de tosco, grosseiro, estúpido, embora guarde intimidade etimológica com o vocábulo boca. Portanto, costuma ser exatamente pela boca que a pessoa faz por merecer tal distintivo ou qualificativo.

A língua portuguesa fora buscar o vocábulo em 1540, inspirada no espanhol boza, derivado do latim bucca, ou seja, boca. Os sentidos prevalentes da palavra parecem ser oriundos da combinação de duas acepções já presentes em seu idioma de origem, a de ser inexperiente em prima facie, com influência posterior da ideia, neste caso, por metonímia de animalesco.

Bozal significa aquele que ainda tem buço (bozo, penugem sobre a boca), isto é, é bisonho, desajeitado e inexperiente. Igualmente significava também focinheira, ou conjunto de correias que se prende no focinho de animal feroz para que não possa morder.

Entre os estudiosos há quem considere a palavra boça como palavra de origem racista, escravocrata, mas segundo a história não é exatamente assim. É verdade que teve largo uso em referências aos escravos para qualificar os recém-chegados da África e, ainda eram bisonhos, e não falavam português, mas a palavra é anterior ao referido uso e a este ainda sobreviveu.

A palavra boçal era usada para designar os vindos da África e que não sabiam ainda se comunicar em português. E, com o tempo, passou a designar qualquer possua que não tem instrução educacional ou cultural.

Contemporaneamente é comum identificar o adjetivo usado de forma informal como sinônimo de muito grande, descomunal, o que pode até adquirir sentido positivo. De qualquer maneira, o vocábulo tem origem controvertida.

Segundo o Diccionario Encyclopedio, de 1874 e vem do italiano abbozzado, que significa esboçado (advém de bozza, que significa desenho tosco, mero esboço). Aquele que ainda não fala o idioma do país onde se encontra, dizia-se, boçal.

Nem sempre aquele que se expressa mal é necessariamente um boçal. Pode ser tão-somente rude, barulhento, hostil e belicoso. É faz uso dessa forma para chamar a atenção para si, como se fosse apenas uma forma de dizer ou mera brincadeira. Um fanfarrão que incita ódio e preconceito, e ao mesmo tempo, mantém seus eleitores ligados a ele, reforçando laços de identidade Tais artimanhas populistas revelam que está ciente do poder da linguagem e das técnicas de comunicação.

A palavra energúmeno tem origem grega e, vem do termo ergon que significa trabalho ou coisa feita. Quando junto da partícula en que se transforma enérgeia, que em português contemporâneo pode ser traduzido para energia, mas significa

trabalho interno nesse contexto. Quando a palavra é transformada em particípio, o que é feito com a inserção de derivados do termo nomia, o termo vira energumenus, ou em português, energúmeno. A combinação de todos esses sentidos, era, para os gregos, o sinônimo de energia interna que operava obsessivamente sobre a pessoa em questão, enfurecendo-a.

Portanto, o energúmeno era pessoa possuída de forças maiores ou por um demônio. De acordo com projeto educativo italiano de idiomas Una Parola Al Giorno, o bruto é alguém que perdeu o autocontrole, que sucumbiu à raiva e se comporta como se estivesse possuído por um demônio. Com a evolução, o vocábulo passou a designar alguém que age sob o controle da besta, chegando a ser um imbecil.

Talvez, seja mais demoníaco do que propriamente um boçal autêntico.

Recentemente, o Presidente da República questionou a importância e a necessidade do estudo e ensino de Filosofia e Sociologia. O que não significa uma novidade.  Segundo Yuval Harari, escritor de Sapiens, uma breve história da humanidade e 21 lições do século 21, aponta que o desenvolvimento das inteligências artificiais, e o perigo que vem junto. E, toda tecnologia tem um lado bom e um lado ruim.  Enfim, Dr. Jekyll e Mr. Hyde são variáveis estruturais em qualquer tecnologia.

Ao cogitar das tecnologias digitais, do seu potencial de coleta de dados, das possibilidades de controle e vigilância dos indivíduos e coletividades, das possibilidades de controle e vigilância individuais e coletivas e, do possível uso para a formação de ditaduras digitais é mesmo assustador. Por isso, o escritor afirma sobre a necessidade de controle sobre estas novas tecnologias, e que os governos e a população deveriam criar mecanismos para frear os potenciais de alienação e as ditaduras possíveis. Isto é, voltamos à necessidade de fortalecimento do espaço público.

Harari afirma ainda que temos conhecimento suficiente em termos de tecnologias digitais e, precisamos enfrentar os desafios contemporâneos e a resposta, infelizmente, não reside na própria tecnologia. A resposta está positivamente nas Ciências Sociais, na Filosofia e nas Humanas. E, são tais ciências que são capazes de oferecer os recursos e instrumentos teóricos e práticos para pensar em regras que sejam democráticas e que possam trazer o progresso para todos. Precisamos combater a racionalidade técnica que nos arrasta até as ditaduras digitais, sociais e políticas.

Há, de fato, uma boçalidade do mal que se instala na ausência de pensamento. E, uma das explicações justificáveis para o atual momento, é um fenômeno gerado pela experiência da internet. Ou pelo menos ligado a esta. Desde que as redes sociais abriram a possibilidade de cada um expressasse livremente seu ego mais profundo e sua verdade mais intrínseca, descobrimos a extensão da cloaca humana.

Enfim, assiste razão a Nelson Rodrigues quando alertava em uma de suas frases mais agudas: "Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava". Pois descobriríamos que a barbárie íntima e cotidiana sempre esteve lá, aqui e além do que poderíamos supor, em dimensões da realidade que antes apenas a ficção tinha dimensionado.

Na experiência da internet, deu-se um fenômeno inverso, a escrita que era então a expressão prevalente na qual se pesava cada palavra, por acreditar-se mais permanente, ganhou uma ligeireza que historicamente esteve relacionada à palavra falada nas camadas letradas da população. E, assim, deu-se algumas distorções assim como a inconsciência de que cada um está construindo a sua memória, pois na internet há a possibilidade de apagar os posts, o que é ilusão, já que sempre estes já foram copiados, replicados por outros leitores, gerando a total impossibilidade de esquecimento.

 

 

 

Referências

BRUM, Eliane. A boçalidade do mal. Disponibilidade em: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/02/opinion/1425304702_871738.html Acesso em 6.7.2021.

DA FONSECA, Simões. Diccionario Encyclopedico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Garnier, 1914.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens - Uma Breve História da Humanidade. São Paulo: L&PM, 2015.
__________________. Homo Deus. Tradutor Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
__________________. 21 Lições para o século 21.  Tradutor Paulo Geiger.  São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

JUNIOR, Gessé. A cereja no bolo do boçal. Disponível em: http://assessoracademico.com.br/blog/?p=68 Acesso em 6.7.2021.

PÉCORA, A. O bom e o boçal ou o selvagem americano entre calvinistas franceses e católicos ibéricos. Remate de Males, Campinas, SP, v. 12, n. 1, p. 35–44, 2012. DOI: 10.20396/remate. v12i1.8635905. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/remate/article/view/8635905 . Acesso em: 6 jul. 2021.

Revista Galileu. Afinal, o que é um energúmeno? Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2019/12/afinal-o-que-e-um-energumeno.html Acesso em 6.7.2021.

VISCARDI, Jana. Bolsonaro é um boçal? Disponível em: http://www.justificando.com/2018/10/11/bolsonaro-e-um-bocal  Acesso em 6.7.2021.

 

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 30/10/2021
Reeditado em 30/10/2021
Código do texto: T7374888
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