A vida continua

A vida continua

O casamento de Alice acabou. O marido a traia antes, durante e, com certeza, depois. Mas ele não era mais problema dela; um peso que saíra de seus ombros. Os sinais eram visíveis; vivia no trabalho e dormia em casa esporadicamente, pois tornou-se operário padrão.

O poderoso chefão só confiava nele, e nessa conversa a boiada toda dormia. Era um cansaço preocupante, e a grana encurtava mais que pano de chita. Tadinho! Uma exploração de sua força produtiva e energia. Alice fazia vista grossa, era mais um filho.

Tanto cuidado; não podia fazer barulho, e a vizinhança de olhos bem arregalados. Um dia, a fofoca chegou pela boca de Matilde que Robertinho foi visto saindo da casa de Franciele. Uma loira gostosona da rua do meio. Seios fartos, bumbum arrebitado, pele de japonesa, pernas torneadas e ligeira.

Formada em marketing e propaganda visual, seu corpo era a alma do negócio. E como conversa cumprida faz quem quer, Alice torceu o bico para a comunidade. O tempo correu, e o relacionamento ficou para trás. Robertinho ficou cego para Alice, não enxergava nenhuma qualidade nela, só os defeitos.

Reclamava dela para os colegas de profissão, conhecidos, amigos e quem mais chegasse. Um parecer superficial de um marido de quinta categoria. Como é que você fala mal da sua companheira? Como você a desqualifica fisicamente? Esse ato de reduzir o outro a nada tem um pano de fundo, e a verdade é ambígua.

Ouvir só um lado da história e dizer amém é cumplicidade, justiça é outra coisa. Mas num dia feio, Robertinho colocou um ponto final no casamento, chamou Alice e teve uma diarreia oral. A culpa não era mais de Cabral, e sim de Alice. Ela foi alvejada de insultos e acusações infundadas.

Uma criminosa de afeição e baderneira do lar. Pelo que ele relatou, os crimes cometidos são inafiançáveis, direto para cadeira elétrica. Em uma de suas falas, disse que ela era culpada dele ter procurado uma mulher mais nova, pois ela ficou gorda, velha, faltando dentes, cabelos brancos, cheia de rugas, flácida e insensível.

A boneca inflável murchou. Era o fim de uma relação abusiva. E Alice acordou de um pesadelo, chorou por alguns dias, sentiu medo, aninhou-se com as amigas e a vida continua.

Jaciara Dias
Enviado por Jaciara Dias em 30/10/2021
Reeditado em 29/08/2024
Código do texto: T7374558
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