O burro empacado
Você já viu um burro empacado? É impressionante! O bicho para no meio do caminho e nada o faz sair do lugar. O animal emperra, interrompe a marcha, estaca e não anda mais. Veja a situação: as quatro patas cravadas no chão, o corpo rígido feito aço, os olhos perdidos no horizonte nem piscam. Parece mágica, assemelha-se a alguém que tomou uma poção paralisante; ele não se mexe. Dizem que é pura teimosia, ou será personalidade forte? Nunca um burro revelou os motivos de tão curioso costume. Fica aqui a sugestão de pesquisa científica.
Máquinas também param sem motivo aparente, mas encontrar as razões da parada não é tarefa complicada. Elas quebram, os responsáveis esquecem-se do óleo lubrificante, falta energia elétrica ou são acometidas por males como não pagamento dos funcionários, greves, crises econômicas etc. Com relação aos burros, ainda não há consenso. Pelo jeito, burros bem-alimentados empacam tanto quanto os famintos, ou seja, não deve ser protesto.
Certos casais em relacionamentos complicados sofrem empacamentos periódicos. Brigam, acusam-se mutuamente, sentem ciúmes, se agridem, diminui o desejo, perdem a libido e a convivência azeda. Não existem relatos confiáveis de que isso ocorra com os burros, há suspeitas e controvérsias. Ainda no terreno familiar, as crianças são acometidas por atitudes similares. Quando não querem comer verduras ou não querem tomar banho, por exemplo. Fazem birra, esperneiam, choram, fazem pirraça. O diferencial das crianças é que o enfezamento passa logo, ignoram os dissabores e voltam a brincar como se nada tivesse acontecido.
Não é fácil desempacar um burro. Na fazenda do meu avô tinha um exemplar desses, mal-humorado o empacador. Ninguém gostava de montá-lo. Corria-se o risco de ter de voltar a pé. O peão, ao perceber que o animal tinha parado, começava pedindo, educadamente; meia hora depois estava desesperado, arrancando os cabelos, inconsolável. E o burro impassível, imóvel, caturro. Alguns batiam com força na pobre cavalgadura, ameaçavam com chicotes, esporas, água fria e outras artimanhas. O interessante nos burros é que, quanto mais se sentem ameaçados, mais empacam. Já vi peões chorando de raiva por não terem conseguido convencer um burro a seguir em frente. Acreditem: não era raro alguns inconsequentes deliciarem-se com a situação.
A atividade política também é repleta de situações bizarras. Quando a gente acha que vai melhorar, empaca ou, pior, retrocede. Apesar de existirem opções para seguir em frente, péssimas escolhas resultam em sofrimento para o povo e em empecilhos ao desenvolvimento do país. Se existem ameaças à democracia, eu me lembro do burro empacado. Não adianta explicar, a teimosice e a desinformação se alastram. Tem até aqueles que acreditam estar diante de um espetáculo, acham bom observar o burro impassível; tal qual o burro, revelam seus piores caprichos, sua obstinação em entravar o bom senso e o avanço da inteligência.