Quase dois mil leitores

Mil gols são de uma importância invejada no futebol. Somos o país do esporte. O esporte é uma religião. É preciso ser louco para contrariar o espírito esportivo. Na propaganda do Pan o ator veste uma camiseta onde se lê “professor” de modo visível. Vamos ver de perto e encontramos a corrida dos cem metros rasos. Sabemos que o esporte é educacional. O esporte afasta do homem o mal. É ensinamento universal. Exceto no mundo terpsicore das grandes lesões de esforço repetitivo há certas considerações. Corre dinheiro alto no mundo dos esportes. Recurso que seria útil enquanto imposto nos grandes eventos para melhoria educacional. Um elo direto entre categorias. Repasse de verbas das grandes arrecadações para as pequenas arrecadações. Talvez sobrasse algum trocado para urbanização das favelas. A mesma favela que vê no sonho de ser jogador uma oportunidade de riqueza. Ser melhor é o que importa. Desejamos saber quem pulou mais alto sobre a da face da terra. Quem saltou mais longe excedendo os limites. Portanto não basta aspirar uma colocação simples no escore. Competir é empregar toda a força para visualização do fruto excepcional. No mundo da arte ocorre o mesmo. Arte para exímios. Mil aulas para um professor são como musgos inseridos na pátina do tempo numa gelada tarde fria de inverno. É de se esperar que o escore de mil leitores nada represente. Nem mil, nem dois mil, nem sete mil, nem dez mil leitores grátis. Nossa ingenuidade persistente criou uma sociedade vibrante no que se refere à competitividade. A sociedade do “mais” não discute a sociedade “divisível” porque se alegra com o acúmulo infantil. Sublima a ausência de patrimônio real para todos. Mil aulas para um professor equivaleriam a pelo menos um ano sabático. É importante que o ano sabático seja discutido para reformulação dos conteúdos. É de admirar que o assunto caia no mais espantoso silêncio. Talvez precisando obedecer ao percurso das molas da razão pelo direito, e o direito do anzol é torto. Nosso complexo subdesenvolvimento em meio à riqueza espera atenuar seus dias sem potencializar a educação. E não há educação sem leitura. O prejuízo inicia no ócio e acaba na loucura. Talvez decorrência da brincadeira de Cervantes com o Cavaleiro Andante alienado de tantos livros lidos ou da proibição durante o período colonial quando o ato da leitura fora reprimido com determinação. Ler confunde, faz mal, ocupa espaço na mente. Os cérebros obnubilam podendo esfarelar porque a leitura obumbra, e peço perdão pelas palavras difíceis: o computador está repleto de palavras e signos que ninguém conhece sem nenhum espanto. Nossa capacidade de recepção acentua o mundo informativo com o poder da verdade pela síntese sem reflexão. Reflexão que deveria nascer do espírito como a Escola de Sagres buscando um caminho no desconhecido. Atrevo-me a dizer que o ato de estudar perdeu o significado do descobrimento. O que se quer agora é “assistir” o professor com roupas de época. Mas professor não dá Ibope. O quadro negro é sem graça e giz não cai no chão diante da telinha colorida e sensual. A fome de pesquisa submerge sem filosofia. Atualmente tudo o que necessitamos está no micro.

Quando escrevemos em jornal ou revista não sabemos quem efetuou a leitura até alguém se aproximar do assunto. Escrever para computador permite a contagem inédita que é bem diversa dos jornais e revistas. Não podemos afirmar se o leitor alcançou o texto, mas já é um grande passo. Lembro do Cartum que publiquei certa vez onde a garatuja carregava um violino ouvindo o seguinte na hora do pagamento: passe no guichê para receber um elogio! É lastimável que seja assim. Estou me encaminhando para o número dois mil com grande a alegria. No começo ao abrir a página e ver o número “mil” larguei tudo e fui comemorar. Bebi uma cerveja com entusiasmo de criança diante de aguardado presente natalino. Ninguém me felicitou. Novamente em casa observei as laterais da página para ver se encontrava alguma coisa. O que avistei foi o anúncio de “faça um curso para síndico” além de outras ofertas. Fiz que não era para mim e segui em frente. Navegante. Aspirante. De fato no dia do professor certo prefeito alegre e presenteador enviou para cada educador uma lembrança inesquecível. Tratava-se de pequeno prato de plástico enrolado para presente. Esses pratinhos que a gente serve pipoca para Cosme e Damião. Verdadeiro enigma simbólico para data tão elucidativa. Só um interesse profético poderia considerar o gesto. No interior avaliar a simplicidade é crença natural que admiro sinceramente. Há inauguração de árvore na praça com banda marcial e fogos. Projetos que não dão certo ás vezes provocam espanto pelo gracioso tom de solenidade. O pratinho de plástico talvez simbolize a fome para uma categoria que vem tentando sustentar a vida pelos critérios da alma. É verdade inútil e triste chegar de volta do trabalho com um pratinho verde de plástico a título de homenagem. Só os otimistas mais resistentes disseram: “pelo menos nós ganhamos alguma coisa”. Neste pratinho derramarei salgadinhos para alegrar o meu dia de cronista com dois mil leitores. Quando chegar o dia.