O primeiro beijo
“O primeiro beijo” - Do Livro Felicidade Clandestina de Clarice Lispector
Muito embora não possuir o dom artístico, sou apreciador do belo. Vejo no artista um talento concedido a poucos, geralmente são sensíveis e fogem a normalidade. Os Artistas são intuitivos e sonhadores possuem sempre um canal aberto com a fonte da inspiração. O espanhol Jaime Vilaseca, era marceneiro (um artista como artesão) na década de 1960, ficou desempregado devido à quebra da empresa onde trabalhava, o país sofreu uma crise econômica que desestruturou toda a cadeia produtiva, então passou a fazer bico para viver.
Um dia a esposa lhe diz que uma senhora queria fazer uma estante e lhe passou o contato, ele foi e fez o serviço no próprio apartamento da cliente. Durante o trabalho observou que ela não largou o cigarro e nem a maquina de escrever.
O silêncio predominou durante todo tempo que lá trabalhou, e se surpreendeu quando no final ela lhe disse: “Você vai ser moldureiro. Não vai escapar ao seu destino!”.
A profecia de Clarice Lispector se confirmou, há mais de cinquenta anos, Jaime Vilaseca, é um reconhecido moldureiro, além de ter se tornado curador e dono de uma galeria de arte.
Virou amigo da escritora e fonte inspiradora do conto “O primeiro beijo” , do Livro Felicidade Clandestina.
A narrativa da construção desse móvel, e o surgimento da amizade com artesão, também é tema de uma crônica escrita por Clarice em setembro/ 71. A escritora sondava pessoas a título de laboratório, colhendo dados e experiências para elaborar um texto sobre o primeiro beijo, Jaime é incentivado a lhe revelar a consequência desse beijo em sua vida e o que ele contou serviu de fundamento para criação de uma das mais belas páginas da nossa literatura.
Contou para ela que num passeio que fez a Petrópolis no tempo de menino o carro ferveu na subida da serra o seu pai teve que parar no acostamento esperar que o radiador esfriasse para então reabastecer o com água fresca e seguir viagem.
Nesse intervalo jogou bola com os irmãos, sentiram sede e foram até o chafariz para beber, só depois de se saciar percebeu que fonte d'água era uma estatua grega que jorrava água através da boca e que ele estava boca a boca com o monumento e com os olhos fixos nele. Este foi o seu primeiro beijo.
Existe um hiato imenso entre o que ela ouviu dele e o que ela descreve para nós. É como se a escritora captasse a alma do narrador e externasse todo esse sentimento na mais alta expressão de beleza. Essa mesma vertente sentiu quando um dia ela lhe disse: "Você vai ser moldureiro. Não vai escapar ao seu destino!”. Percebeu nele, qualidade e o dom artístico que transformou a sua vida para sempre.
Somos que nem o barco se não abrimos a nossas velas o vento do destino não nos leva a lugar nenhum.....
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Transcrevo o trecho inicial do conto "O Primeiro Beijo" para apreciação e encanto do leitor.
"Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:
- Sim, já beijei antes uma mulher.
- Quem era ela? perguntou com dor................