A IMBIARA, O SAURÚ E O PARAUÁ
No rio Canumã, confluência com o igarapé Ararunin, onde morava Imbiara, Saurú e Parauá, a água estava cada vez mais barrenta. A restinga secava deixando de fornecer alimento a Imbiara.
A noite, não se via as estrelas enfeitando o céu de Yacy. Tudo esbranquiçado, turvo como a neblina benigna ao raiar do dia seguinte: a fumaça que deixava a noite mais escura tudo cheirando mal.
Há dias os animaisinhos, observavam que aquela fumaça formava um caminho, seguindo o estirão da cabeceira do rio Canumã.
A tarde, ao anoitecer, na chegada do crepúsculo dos deuses, o perfume, o cheiro bom da floresta, como de costume, não se sentia mais. A alegria tinha ido embora.
Logo antes da chegada da noite, sentados no barranco, na margem daquela imensidão de água, Parauá pensativo, expressou profunda preocupação, porque a mãe natureza precisava respirar.
Naquele anoitecer, só o Parauá falava inconformadamente. E tristes, a Imbirara foi recolher-se na restinga afim de dormir e esquecer um pouco da angústia anormal.
Cabisbaixo, Saurú caminhou até sua toca ao pé da embaúbeira. O Parauá inconsolável vôo lá para o alto, no galho da cutieira, para refletir e tentar dormir.
No outro dia, por iniciativa própria, a Imbiara acordou cedo, junto com o sopro forte longe da Guariba; e nadou rio acima. No céu, ainda havia um risco longo e fino formado pela fumaça da noite anterior. E foi esse risco de fumaça no céu, que serviu como guia para ela ir até aquele lugar, de onde originou aquela anormalidade.
Depois de muito nadar, enfrentando a correnteza forte, tremula e fraca, conseguiu chegar ao lugar indicado pelo fio da fumaça. Ao saltar da água, silenciosamente, subiu o barranco. Logo viu uma trilha na mata a dentro, e seguiu aquele caminho rumo ao desconhecido.
Imbiara percebeu que eram quilometros de caminhada. Então resolveu voltar para contar aos amigos o que havia descoberto. Mas dessa vez, ela foi mais esperta: --Aos invés de nadar até sua casa, veio boiando em cima do tronco de madeira morta!
Avistando os amigos Saurú e Parauá, Imbiara quis contar a nova descoberta. Porém, o que se pensou que fosse fácil, tornou-se a coisa mais difícil de se resolver. --Pois ela era gaga! Se tranquila, ela falava atrapalhada, imagina nervosa!
Depois de muita tentativa, Saurú, sereno como sempre, a acalmou. Pegou um graveto seco, que estava próximo a eles, pôs na mão de Imbiara, e pediu que ela desenhasse no chão o que viu. Em seguida, informados sobre a novidade, na mesma hora combinaram irem juntos ao lugar que Imbiara descobriu.
E de novo: enfrentetaram a correnteza forte do rio Canumã, em cima da casca seca de uma árvore, remaram, e chegaram até o local da trilha. Já era início da noite. Saltaram sem fazer barulho. O grilo cantava lá embaixo da folha úmida, na vegetação. Os vagalumes, iluminavam o caminho, indicando a direção.
Caminharam horas, na trilha de chão batido, barro ocre, argiloso. E então, repentinamente, numa parada brusca, os três personagens, via-se a frente deles, labaredas incandescentes, faíscas saindo de todos os lados. Ouviu-se sons abafados, batendo naquele fogaréu. Era uma figura, com trajes humanos, de costa, com o bastão do Curupira na mão, e com cigarro na boca, de cheiro forte, da Caipora.
Naquele instante, os animais certificaram-se da devastação que ocorria na floresta, da causa da fumaça, do rio com água barrenta e a falta de alimento. Era o homem disfarçado de Curupira, destruindo a natureza. Desesperançados, retornaram para casa, sem saber o que fazer. Apenas, de joelhos rezaram, clamaram a Tupã que tomasse providência.
De Carlos Alberto Barbosa
Aos povos indígenas (Lenda folclórica: homenagem a fauna e a flora amazônica)