Monólogo ao Pão
– Oi. – disse ele ao pão.
Silêncio, apenas a rigidez de um pão dormido.
– Me chamo Joaquim. – insistiu ele, inabalado.
O alimento permaneceu repousado em cima do saco marrom – que por sua vez jazia em uma mesa de madeira.
– Será que se eu tomar todo o fermento que conseguir comprar cresço de rompante igual a você?
Se aquele pão pensasse sobre as coisas que o homem dizia talvez se perguntasse a qual crescimento ele se referia: físico? Espitiritual? Social? Econômico? A julgar pela fenótipo do homenzarrão a conversar com o pão, o crescimento não seria físico – pensaria o pão se o pão pensasse.
Joaquim, unilateralmente, continuou a conversa (monólogo):
– Ser um pão deve ser fácil, não? Seu propósito é claro e objetivo: alimentar alguem. Sua existência é inquestionada, já que muito facilmente você sabe de onde vem: da padaria; e para onde vai: para o estômago. Me pergunto o porquê de eu não ter nascido um pão... – essa última frase fora resmungada, dita mais para dentro do que para fora.
O pão permancia parado. Seus farelos espalhados ao seu redor, suas cascas ora crocantes cada vez mais úmidas e macias. Sua coloração alaranjada (ou amarelada?) se tornando mais opaca com o passar do tempo, jazendo em cima daquele saco que, por sua vez, estava em cima daquela mesa de madeira.
– E QUEM PODERIA DESDIZER UM PÃO? NINGUÉM!! UM PÃO NADA DIZ!!! HÃ?! – gritou o homem, batendo a mão áspera na mesa, fazendo os farelos voarem pelo ar. Se o pão pensasse, teria se assustado com a interjeição proferida de forma intensa por Joaquim.
– Um pão sempre terá emprego, não? Mesmo que seja descartado no lixo, mofará e será comido por criaturas minúsculas. Sua existência inevitavelmente tem valor... – ao terminar essa frase os olhos do homem se encontravam marejados e a voz afetada demais para continuar a falar.
Se o pão pensase e, portanto, raciocinasse, talvez percebesse o homem morimbundo que se direcionava a si. Talvez pudesse ver a doença da alma que afligia aquele corpo maduro e gasto. Se pensasse mais a fundo e olhasse ao redor, talvez pudesse ver que aquela doença era acometida por agentes externos, por uma vida sofrida e injusta. Talvez (e aqui me arrisco demais a adivinhar o que pensaria o pão e quiçá o ofenda com minha afirmação) tivesse dó de que ele (o pão) era a única coisa que aquele homem frustrado tivera para comer em mais de uma semana.
O homem agora se encontrava parado, tão imóvel quanto o pão; mas, infelizmente para ele, com a cabeça ainda pensante.
Se o pão pensasse...
Mas o pão não pensava. Logo, quem mais poderia ver o sofrimento do homem e toda sua agonia?