Amor e Poder
Meu grande amigo diz-me que está cada vez gostando mais de trabalhar. Em princípio uma frase positiva, para o senso comum dos que vivem ainda no mundo do trabalho. Nada mais desejável do que o apreço pelo trabalho dos que precisam que trabalhar. Não gostar (nem aprender a gostar) do que se precisa fazer é o pior dos infernos, por ser cotidiano. Imagino quão infeliz é o ser humano que precisa levantar cedo, depois de uma noitada de excelentes conversas com amigos do peito, deslocar-se até o trabalho, para passar o dia executando uma tarefa que não lhe agrada, desejando estar em outro lugar, não vendo a hora de acabar a tortura. Imagino isso acontecendo todos os dias. Imagino que reações insanas devem ocorrer na mente do infeliz, como a de descontar sobre seus pares sua frustração e impaciência. Definitivamente, é preciso gostar do que se faz para alcançar certo grau de felicidade.
Seria bastante positiva a afirmação do meu amigo, não fosse o fato de eu saber que ele está investindo sua energia no trabalho como conseqüência do fato de estar só, sem família, sem amor individual. A idéia me fica clara quando ele, talvez por ato falho, conta-me de um colega seu que, tendo se aposentado, pede encarecidamente para voltar a trabalhar. Essa pessoa, ele percebe, aposentou-se sem estar preparada, que é caso bastante comum, mas também não possui uma estrutura familiar que o respalde afetivamente.
Tudo isto me fez pensar sobre o amor e o poder.
O amor, no meu entender, é uma necessidade individual e egoísta. Nascemos precisando ser amados, senão não sobrevivemos, dado que nascemos incompletos em termos fisiológicos, sem capacidade de movimento, dependendo, portanto, do quanto nossos familiares nos amam e desejam nos manter vivos. Queremos receber amor e logo aprendemos que precisamos dar amor se queremos receber, uma vez que todos os outros com quem nos relacionamos têm o mesmo desejo.
O poder, por outro lado, vem da nossa ordem genética de manter viva a espécie humana, o que resulta na ordem de fazer diferença na vida coletiva. É preciso ser bastante ignorante para não perceber que exercer poder positivo, de melhorar a vida coletiva, é o único meio de recebermos reconhecimento e consideração e, aumentar deste modo a nossa probabilidade de sobrevivência.
De modo que o trabalho bem feito traz felicidade sim, sob forma de reconhecimento, apreço e mesmo afetividade e amizade. Mas não nos reproduzimos com o coletivo. Precisamos de um amor individual, só nosso, egoísta, que não repartiremos com mais ninguém.
Quem pensa que pode substituir o amor individual pelo amor coletivo (mesmo o familiar), está cometendo, a meu ver, um engano caro, de alto preço mais cedo ou mais tarde.
Estas duas necessidades básicas humanas, o amor e o poder, estão sim interligadas. Há uma sensação de poder quando se percebe que a nossa existência faz diferença na vida do nosso amor individual. Há uma sensação de satisfação de ser amado, vivida pelo líder que faz diferença positiva na vida de seus liderados. No entanto, é impossível eliminar uma delas em função da outra.
Digo para o meu grande amigo: sinto muito, mas como teu grande amigo não posso deixar passar, preciso te dizer que a tua dedicação ao trabalho passa a ser suspeita, porque percebo aquilo que precisas agora. Além de trabalhar bem e satisfeito, também necessitas voltar para uma casa onde um amor te espere.