ALGUÉM AINDA ESCREVE CARTAS?

"Cartas de amor são escritas não para dar notícias, não para contar nada, mas para que mãos separadas se toquem ao tocarem a mesma folha de papel" (Rubem Alves).

"Todas as cartas de amor são ridículas, não seriam cartas de amor se não fossem ridículas." (Fernando Pessoa).

Com certeza a tecnologia surgiu para facilitar a vida das pessoas. O que demorava horas para chegar através de um telegrama ou semanas para dar notícias através de uma carta, hoje se resolve num click por e-mail ou whatsapp. Mas perdeu se o romantismo nesse aprimoramento: alguém ainda escreve ou recebe cartas hoje em dia?

Recebi muitas cartas. Por mais de 10 anos tive amigos por correspondência em vários estados brasileiros. E se não conheci nem um pessoalmente, isso não significa que a amizade não fosse verdadeira.

Houve um tempo em que nossa cidade não dispunha de entrega domiciliar - pelo menos nos bairros - e era preciso buscar a correspondência na agência dos correios, o que criava uma doce expectativa. Isso não faz tanto tempo, não sou tão velho assim. Mas a geração que nasceu após os anos 2000 com certeza não faz ideia do que seja escrever ou receber cartas. As minhas iam na forma de calhamaços e a resposta geralmente vinha na mesma medida e não raras vezes, quando a destinatária era mulher, com direito a perfume. Não tive o privilégio de conhecer pessoalmente, mas a troca de correspondência era também troca de carinho, confidências e outras coisas - sempre fui mais expansivo escrevendo do que na arte da conversa. Por algum tempo, na adolescência, troquei correspondência com um escritor infanto juvenil que hoje anda meio esquecido: o paulista Ganymedes José. Foi meu conselheiro através de cartas naquela idade que temos excesso de hormônios, espinhas e dúvidas existenciais. Mas um infarto roubou-o muito cedo de nossa convivência.

Guardei todas as cartas por anos, até que nossa mãe me convenceu a doá-las para a reciclagem.

Hoje, para tristeza geral deste saudosista, o carteiro só aparece para entregar faturas.

Mas creio que não estou sozinho nessa nostalgia: quando postei uma foto da agência dos correios no grupo Cidade de São Pedro, a mesma teve uma repercussão fantástica e despertou as reminiscências de quem um dia também teve esse relacionamento com a arte epistolar.

Nesses tempos em que a maioria das pessoas desaprendeu até de escrever o próprio nome, seria interessante resgatar essa história e - por que não? - fazer atividades nas escolas que incentivem os alunos a trocar bilhetes ou cartas entre si. É algo que fará bem à caligrafia dos mesmos e fortelacerá vinculos.

Evidentemente, depois que essa pandemia mundial passar. E de preferência, sem abreviação de palavras.