JOSÉ MINDLIN
VIDAS ENTRE LIVROS
Nelson Marzullo Tangerini
Passando a vista na minha humilde biblioteca, eis que encontro o livro ‘Uma vida entre os livros”, do escritor José Mindlin.
Logo veio à minha mente a figura de Jorge Luís Borges, que nutria a mesma paixão pelos livros. Entrevistado, certa vez, por Roberto Dávila, para um programa de televisão, Borges declarou que não sabia por que continuava adquirindo livros, se não podia mais lê-los. Cego, o escritor argentino passeava pelas aleias de sua vasta biblioteca, onde tocava, com seus dedos, os livros que já não podia mais ler.
Um provérbio hindu me visita nesse exato momento: “Um livro aberto é um cérebro que fala; fechado, um amigo que espera; esquecido, uma alma que perdoa; destruído, um coração que chora”. Porque alguns livros nos chamam da estante, para que sejam novamente tocados, abertos e relidos.
Ponho-me a pensar em quantos livros viram de perto o fogo da intolerância, promovido pela inquisição, pelo fascismo, pelo nazismo e pelas ditaduras latino-americanas.
A Biblioteca de Alexandria, por exemplo, sofreu um grande incêndio no ano de 48 ac, quando o Imperador Júlio César mandou atacar a cidade. Mais recentemente, uma Nova Biblioteca de Alexandria foi construída no Egito, na esperança de que os livros tenham uma vida longa.
Os ditadores, no afã de manter o povo inculto e ordeiro, tornam-se inimigos do saber: científico, filosófico ou literário.
Todos aqueles que amam os livros, ou que os escrevem, acreditam que eles libertam, que quem os lê, se livram da ignorância, criando, assim, um novo caminho semântico: liberdade como palavra derivada de livro.
O padre Antônio Vieira (1608-1697), autor de Os Sermões, acreditava, com seu discurso barroco, nessa possibilidade, quando escreveu que “Quem não lê, não quer saber; quem não quer saber, quer errar’. Ou seja: não quer se libertar.
José Mindlin, advogado, repórter, empresário e escritor, citado aqui, foi um importante intelectual brasileiro, dedicando-se, em toda a sua vida, a coletar preciosos livros de nossa literatura. Nascido em São Paulo, SP, a 8 de setembro de 1914, Mindlin foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, em 20 de julho de 2006, sucedendo o escritor maranhense Josué Montello.
Ao saber da vitória na eleição para Imortal da ABL, o renomado escritor declarou que, de certa forma, sua escolha coroava uma vida dedicada aos livros.
No mesmo ano, decidiu doar todas as obras brasileiras de sua imensa coleção à USP, Universidade de São Paulo. A partir de então, a biblioteca passou a ser chamada “Biblioteca Brasileira Guita e José Mindlin”, homenageando, assim, também, sua esposa, que o ajudou na coleta de livros tão valiosos para a nossa literatura.
O prédio da referida biblioteca, situado no campus da USP, construído para este fim, ficou pronto em 23 de março de 2013 e é aberto para visitação pública e pesquisas.
Mindlin, que ganhou os prêmios Juca Pato (1998), Ordem do Mérito Cultural (2006), Grã-Cruz da Ordem do Ipiranga (2010, post-mortem), faleceu em São Paulo a 28 de fevereiro de 2010.
Por fim, me vem à lembrança as sábias palavras do escritor anarquista português Edgar Rodrigues (António Francisco Correia), que costumava dizer que os livros são alimentos para o cérebro, o que não é bem verdade, uma vez que um livro do mal, que ainda circula entre nós e é exaltado pelos supremacistas, foi escrito por um ditador sanguinário e assassino, que ficou na história como o arquiteto (que isto não ofenda os arquitetos) do extermínio de judeus e que conhecemos como holocausto.
Complementaria o provérbio hindu, citado aqui, no caminhar desta crônica: “queimados, (os livros) gritam desesperadamente por socorro”.
Os pensadores libertários do século 20 e séculos anteriores permanecem vivos, entre os que amam os livros e o livre pensar. No século 21, continuam a inspirar os novos libertários que levarão esta chama adiante, para séculos vindouros, muito além, portanto, do século 21.