NAS ARMADILHAS DA VIDA

Estranho esse negócio de família.

Duas pessoas que não tem nada a ver na raiz, se grudam e passam a dividir a cama, os caminhos, os sonhos, as dores. As flores.

E ainda fazem filhos, pra tornar a coisa mais esquisita ainda.

Do nada, vêm essas criaturas chorosas para agarrar todo o nosso tempo, todas as nossas intenções, todos os melhores pedaços da nossa paixão. Todas as nossas sedes e paisagens.

Depois ainda vem os bichos.

Uns seres que pensam diferente, reagem diferente, comem diferente e que passam ser tão ou mais importantes do que nós mesmos, vai entender.

E esta história de família vai longe, porque os filhos vão fazendo brotar, na mais perfeita surdina, infinitas asas e, num belo dia, babaus. Foram.

O gozado disso é que quando eles vão embora, ficamos tanto alegres quanto tristes, vai entender.

E vamos tocando a vida. Quebrando o pau sempre que tivermos uma oportunidade, talvez só para ter o gostinho de fazer as pazes.

A vida vai mudando as linhas do seu roteiro, o nosso cabelo vai virando flocos de algodão, o nosso tempo começa a sua contagem regressiva.

Quando percebemos estas armadilhas da vida, já estamos no final da prorrogação, com o juiz louco pra voltar pra casa.

Então só nos resta olhar pra a cria, olhar pra parceria, olhar pros os bichos e abraçá-los dando nó de marinheiro, daqueles que não soltam nem por decreto, nem com toda força do mundo.

Depois de sentir o cheiro e a alma de cada um deles, inclusive aquela parte que nunca quiseram nos revelar antes, vamos entender, finalmente, todas ranhuras e véus que estão grudadas na sua pele, nos seus ossos, na sua mais profunda emoção, na sua mais soberba vontade.

Veremos, sobretudo, que só tivemos o fôlego para darmos o nosso primeiro passo, e certamente também o último, porque nos apoiamos nessa ribanceira maluca sempre que o chão se fundia em nada, sempre que virávamos a mais grotesca tradução do medo, da dúvida, da saudade.

E assim, por fim, entenderemos que de estranho esse negócio de família não tem absolutamente nada.

Nada mesmo.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 24/10/2021
Código do texto: T7370409
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