UM GRITO PELA LIBERDADE !

O "escritor maldito" LIMA BARRETO fez 140 ANOS de nascimento neste desgraçado ano e fará CENTENÁRIO da sua morte em 2022... seria bom RESGATAR sua memória E SEU VALOR enquanto autor e narrador das MAZELAS da "Tupiniquimlândia" de doutores e apaniguados políticos.

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UM GRITO PELA LIBERDADE !

"Todavia, executo, trabalho, empreendo;

(...) A minha atividade excede em cada

minuto o tempo presente, estende-se

ao futuro". JEAN-MARIE GUYAU, (in

"Lima Barreto", trecho de prosa, 1921)

O leitor ocasional dessas mal traçadas linhas deve se perguntar quem será Lima Barreto ?! Não SERÁ, aliás, não foi... foi, não sendo ! Explicarei antes que alguém finde num hospício, ou melhor, em casa de saúde ou "asyllo" há século e meio, exatamente como nos tempos do menino Afonso Henriques, adiante escritor nada conhecido, muito ignorado. Nascido livre em 13 de maio de 1881, assistiria nas praças cariocas as festas pela Abolição dos "irmãos" ainda escravos e usaria sua pena e inteligência para alertar todos que a tal liberdade não poderia ser apenas de corpos, era necessário libertar os espíritos, a alma subjugada e humilhada, espezinhada, de cada ex-cativo. Lima Barreto lutou em todas as frentes, atacou por todos os lados e descobriu da pior maneira que o elemento negro não tinha vez nem voz, não tinha roupa decente, não tinha diversões nem dinheiro, nem direito a coisa alguma, principalmente trabalho em escritório ou repartição pública. Os cargos, em todos os lugares eram reservados aos "doutores" ! Na mesma época, o português Eça de Queiroz escreveria algo semelhante sobre o Brasil de 1888: "um país de doutores... doutores da pena, doutores da espada" !

Em seus contos ou discursos escritos Lima Barreto "desce a caneta" nesse costume vil que tirava as chances aos capacitados "descanudados", aos trabalhadores antigos sem oportunidade de promoção no serviço público, "trocados" por jovens doutores ... "está no consenso do país, tanto do povo como da gente graúda, que um "doutor" mal saído da academia, como dizemos, sabe tudo e mais alguma coisa. Pra que concurso"? (pags 88-89) E continua: "O nosso ensino superior, que é o mais desmoralizado dos nossos ensinos (...) são verdadeiras oficinas de enobrecimento, para dar títulos, pergaminhos (...) aos bem nascidos ou pela fortuna ou pela posição dos pais". (pag. 90) (in "As Reformas e os "doutores", crônica de 16/jan. 1921)

Excelente aluno, sempre preterido, o jovem Lima Barreto teve que largar a faculdade aos 22 anos e cuidar da família, pois o pai enlouquecera. Tempos depois, seria êle a ser internado num sanatório... depressão, melancolia, timidez excessiva, quase tudo tinha como solução (e destino) um sanatório, com o nome de hospício, onde muita gente enlouqueceu de verdade.

Com algum complexo de inferioridade -- que nem escondia em seus textos e personagens -- Lima acabou alcoólatra, com imenso prejuízo para sua carreira. Os de seu tempo aproveitaram a fraqueza pela bebida para lhe diminuir os méritos enquanto autor. Apenas a partir dos anos 50 seus livros seriam publicados e sua biografia reescrita, sem as difamações e o menosprezo que boa parte da Sociedade da época lhe devotava.

Não é um Machado de Assis e nem pretendeu sê-lo... são ambos da mesma época e região, mas este não tem o estilo camoniano e chato (a meu ver, me perdoem seus admiradores) do "Bruxo do Cosme Velho". Lima Barreto é claro, direto, sem enfeites no mais das vezes, objetivo e com a intenção de defender pontos de vista, mais do que contar estórias. Descreve seu povo -- e a êle mesmo nas personagens -- seus anseios, desilusões, necessidades, pesadelos. Uma Literatura utilitária, usada mais como arma de ataque às mazelas da Sociedade e do país, isso no princípio do Século passado, 1905-1915... depois disso foram quase só internações, a repulsa pública e um desespero particular. Morreu de colapso cardíaco aos 41 anos, durante a Semana de Arte Moderna de 22, êle mais moderno do que nunca, na "falta de estilo" que lhe apontavam. Quem nunca o leu, "já o viu" em novela global ("Fera Ferida", de 1993) na qual o "doutor Flamel" -- vivido por Edson Celulari em grande forma -- cavava ossos num cemitério para transmutá-los em ouro, lá em Tubiacanga... pois o enredo é de um conto de Lima Barreto !

"NATO" AZEVEDO (em 20/out. 2021, 20hs)

OBS: os trechos citados foram extraídos de "LIMA BARRETO - Literatura Comentada", da edit. NOVA CULTURAL, SP, 1988, 2ª edição.