VOZ YANOMAMI
--Estou no lado de cá. A beira do rio Araricuera! Interrompe-se a todo instante com barulhos ensurdecedores dos explosivos da guerra, das granadas. Os cheiros fortes da fumaça. O gás lacrimogêneo, adentra, ardendo o pulmão do curumim.
Os tiros contínuos. Rajadas metralhantes, perfuram as paredes de toda oca aldeada. Deixam escorrendo num filete rubro lacrimejoso, no caule da árvore inocente.
O curumim corre. De ímpeto, deita ao chão choramingando, do medo, coração a mão. Olhos citilantes esbugalhados, denunciam o terror, a barbárie, os invasores. A cunhantã, chorosa pede a anciã um colo, apontando mata dentro, uma fuga inesperada.
Akinãn, agachado aos arbustos, em arco e flecha estendido, acena o revide fraquejado. Nem ousa tentar: o disparo fuzilante, em rajada, suprime qualquer tentativa. Intransigentes aterrorizam, usurpam, ameaçam, levam tudo da aldeia.
--Vivo dentro da floresta; sou o vivente primitivo, sem a coberta corporal, sem o pano bem telhado, dos humanos da cidade!
--Aqui dentro, na mata, na minha casa, no nosso jardim natural, estava eu, a viver extraindo dele, o alimento para a aldeia. No rio da mãe Iara, estava eu, a pescar somente o meu sustento; sem degradar, desmatar; apenas, e somente, conservar.
--Em solo natural, habitante primeiro eu, não tenho o direito, usufruir de onde vivo? A floresta incêndiada, o rio mercurizado, os peixes contaminados; meu futuro comprometido, para onde vou eu, querer olhar Tupã brilhar, na noite eu deitar, e depois poder dormir?
--Meu habitat é aqui. Sou ancestral Tupiniquim, desde sempre usufrui; posse eu nenhuma; do quintal da grande aldeia, nossa terra mãe chora! Estou eu preocupado, choroso, cansado, assustado: da rotina nebulosa de agora em Palimiú, na aldeia yanomami. O meu peito de criança curumim, dói, querendo ir embora; rumo, bem ao longe, da mata virgem de outrora.
Carlos A. Barbosa.
In: Barbárie yanomami; Brasil: Século, XXI.