Guarabyra vai às compras *
Meu cunhado, meu irmão e eu fomos ao supermercado. Sim, enquanto as mulheres e as crianças estavam no Parque da Mônica, no Shopping Eldorado, fomos comprar algo no super..., não, hipermercado.
Até aí, tudo bem normal. Normal, até passar, empurrando um carrinho, o Guarabyra. Calma! Antes que você pergunte o que é, onde vive e do que se alimenta um guarabyra, eu explico: é o cabeludo, com aspecto de índio americano em constante estado meditativo, da dupla “woodstockiana” de rockrural/folk Sá & Guarabyra.
Nada demais encontrar alguém famoso num shopping de São Paulo. O mistério era: o que o músico bicho-grilo fazia na “meca” do consumo porco, no templo do capitalismo selvagem? Logo Guarabyra, que entoava canções singelas como Cheiro Mineiro de Flor, Estrela Natureza, Trem de Pirapora, Atrás da Poeira, Outra Vez na Estrada, Coração de Maçã, Pássaro, Harmonia e Meu Lar é Onde Estão Meus Pés.
O sujeito que eu imaginava encontrar num lugar bucólico, uma estrada poeirenta de São Tomé das Letras, em Visconde de Mauá ou em qualquer lugar mais de acordo com quem cantava coisas da natureza, não num centro de compras, no bairro de Moema. Definitivamente, naquele ambiente era mais provável encontrar o Alex Atala, a Paola Carosella ou a Palmirinha.
A maior decepção era que o músico, que eu sempre acreditei que, riponga que é, tomasse chá do Santo Daime no café da manhã, alimentava-se de luz solar, no máximo raízes, sementes e folhas, estaria carregando naquele carrinho uma lata de Neston, um pacote de bolacha Trakinas, um pote de margarina, um saco de Cebolitos, uma garrafa de Diet Dolly, 300 gramas de salame e um saco de pão Pullman. Logo vi que tinha razão quem botava mais fé no Sá.
Por acaso, descobri: tudo o que o hippie cantava era uma farsa, engodo para vender discos. Seu dia a dia era entre “sabão em pó que lava mais branco” e biscoito vitaminado. Descobri que o Guarabyra levava uma vida como eu, urbana. Deve ter enchido aquele carrinho com comida industrializada — cheia de glúten, lactose, sódio e colesterol ruim —, sairá guiando um automóvel — despejando gases nocivos na atmosfera —, ouvirá sua esposa reclamando que ele não trouxe fermento e que largou a toalha molhada na cama (mais uma vez).
Naquele dia, aprendi que as canções que falam de uma cabana isolada atrás da montanha são utópicas. Esse cenário apenas existe na MPB e em filme de terror. Aquele papo de “Pó da Estrada” acaba dentro de um supermercado com você empurrando um carrinho emperrado e ouvindo reclamações.