Livros descartados

Livros descartados

Renato Muniz B. Carvalho

Antes que me acusem de insano ou esbanjador, esclareço que não jogo livros fora nem descarto volumes que porventura não quero mais. Sim, já doei muitos livros, presenteei, sorteei e passei adiante incontáveis volumes, mas nunca joguei livros no lixo. Aliás, nada justifica essa abominável atitude. Quanto aos que foram embora, por doação ou por empréstimo — e nunca devolvidos —, cumpriram sua função; espera-se que tenham sido úteis aos leitores. Livros têm esse destino: são atraídos por quem gosta de ler. Pena que nem todas as pessoas pensem dessa forma, muitos arranjam incontáveis razões para se desvencilhar deles ou dificultar o acesso, não é?

Ao longo da minha trajetória como leitor e admirador de livros, me deparei com várias situações de desprezo por eles. Muitas instituições culturais e educacionais só compravam livros se fossem obrigadas a isso. Em alguns casos, a construção de bibliotecas era o último investimento a ser feito. Em várias oportunidades, eu tentei convencer a comunidade de que bibliotecas são indispensáveis e que a leitura de obras de ficção, de romances, livros de poesias, de contos e de crônicas é tão importante quanto a de livros técnico-científicos e compêndios. Quase sempre, ao tratar do assunto, parecia que eu estava fazendo pressão, legislando em causa própria ou tinha um parafuso a menos. Devia ter mesmo, por acreditar que indivíduos críticos podiam contribuir para a construção de um mundo diferente, melhor, inclusivo!

Acho compreensível que em suas casas os leitores tenham dificuldade para guardar livros, organizar estantes, tirar a poeira, evitar traças e zelar pelos volumes. Acreditem: não é tarefa fácil! Este deveria ser um compromisso inarredável das bibliotecas públicas, verdadeiras guardiãs da cultura, das artes e da história, na forma de livros ou de revistas, panfletos, jornais etc., físicos ou digitais. Se não cumprem essa missão, estão comprometendo a vida de todos nós!

Certa vez, numa instituição cultural, ao passar por um depósito, observei pela janela um monte de livros no chão. Aquilo me chamou a atenção. Fui direto à zeladoria e indaguei o que significava aquela montanha. Eram livros destinados à reciclagem. “Como assim?” Seriam vendidos pelo peso e picotados. Se livros valessem o quanto pesam, faltou inventarem livros de chumbo, pensei indignado. Resolvi pechinchar: “posso dar uma olhada? Às vezes, algum me interessa”. Passei pela bibliotecária, pelo psicólogo e, finalmente, pela diretora: “se o senhor acha que algum te serve, pode levar”. Surpreendeu-me a palavra “serve”, parece que eu ia experimentar roupa.

A montanha era grande, tinha livros de todo tipo. Alguns esgarçados, sem capa, descosturados, bichados… Outros em perfeito estado. Tornei-me faiscador de ouro na inusitada montanha, à cata de pepitas. Encontrei muitas raridades bibliográficas. Tempos depois, soube que a instituição tinha recebido uma verba para reforma da biblioteca e, por isso, os livros antigos deveriam ser descartados. Que futuro terão nossos filhos se algumas pessoas decidirem descartar ou menosprezar livros?